quinta-feira, 29 de maio de 2014

FORMAÇÃO DOS PADRINHOS



INTRODUÇÃO
Ao longo da história da Igreja, os padrinhos e madrinhas apareceram espontaneamente, ainda antes da sua função estar devidamente delimitada. Todos os cristãos da comunidade sentiam-se responsáveis, em virtude da maternidade da Igreja. Na verdade, os padrinhos surgiram como suplentes dos pais biológicos, quando as crianças ficavam órfãs ou os pais não as educavam cristãmente. Mais tarde, o apadrinhamento tornou-se norma geral. Então, quem são os padrinhos? Qual é a sua missão? Que importância têm os padrinhos? Quais as exigências e responsabilidades dos padrinhos?

PADRINHOS, CONCEITO E NOÇÃO
Padrinhos, do latim, patrinus: paizinho. Indica uma função semelhante à ou substitutiva da do pai; coisa análoga vale para o termo madrinha. Liturgicamente, fala-se de padrinhos apenas em relação aos sacramentos do Baptismo e do Crisma (confirmação). Os popularmente conhecidos como padrinhos de casamento são, canónica e liturgicamente, simples testemunhas, sem obrigações específicas, posteriores à celebração do Matrimónio. “Conforme uso muito antigo na Igreja, o adulto não é admitido ao Baptismo sem um padrinho, para que o ajude, ao menos na última preparação ao sacramento, e para que, após o Baptismo, zele por sua perseverança na fé e na vida cristã. Também no Baptismo de crianças haja um padrinho que represente, seja a própria família dos baptizados, espiritualmente ampliada, seja a Santa Mãe Igreja e, quando necessário, ajude os pais, para que a criança venha a professar a fé, manifestando-se na sua vida” (S. C. para o culto divino)[1]. No que diz respeito ao Crisma, cada confirmando é, habitualmente, assistido por um padrinho, que o conduzirá para receber o sacramento e o apresentará ao ministro da confirmação para a sagrada unção, assim como o ajudará a cumprir fielmente, segundo o Espírito Santo que recebeu, as promessas feitas no Baptismo.    

EXIGÊNCIAS PARA SER PADRINHO
Para alguém exercer o serviço de padrinho ou madrinha, observe-se os seguintes requisitos: 1. Seja designado pelo próprio baptizando ou pelos pais ou por quem faz as vezes destes ou, na falta deles, pelo pároco ou ministro, e possua aptidão e intenção de desempenhar este serviço; 2. Tenha completado (o mínimo) dezasseis anos de idade, a não ser que outra idade tenha sido determinada pelo Bispo diocesano, ou ao pároco, ou ao ministro por justa causa pareça dever admitir-se excepção; 3. Seja católico, confirmado e já tenha recebido a santíssima Eucaristia, e leve uma vida consentânea com fé e o serviço que vai desempenhar; 4. Não esteja obrigado por nenhuma pena canónica legitimamente aplicada ou declarada; 5. Não seja o pai ou a mãe do baptizando. (cf. cân 874).
Nota: Um baptizado pertencente a uma comunidade eclesial não católica só se admita juntamente com um padrinho católico e apenas como testemunha do Baptismo.
Ora, o padrinho da Confirmação também deve preencher as condições exigidas ao padrinho do Baptismo; e é conveniente que o padrinho da Confirmação seja o mesmo do baptismo, o que é mais lógico para “acompanhar” o afilhado (cân. 893, § 1 e § 2).

O APADRINHAMENTO
O Apadrinhamento é uma função pessoal, exercida pela comunidade cristã e pelos fiéis para realizarem uma tríplice tarefa: testemunhar junto do candidato em todo o seu processo de conversão; garantir o seu eventual ingresso na comunidade e ajudá-lo no seu crescimento cristão. A dimensão comunitária do apadrinhamento não suprime a dimensão pessoal. O Padrinho e a madrinha ajudam o afilhado/a a alcançar a maturidade cristã[2]. Eles devem velar para que o/a baptizado/a ou o/a confirmado/a se comporte como verdadeira testemunha de Cristo e cumpra fielmente as obrigações inerentes aos sacramentos recebidos. 

PADRINHOS COMPROMETIDOS COM A EDUCAÇÃO
Educação significa formar personalidades integradas em seus diversos componentes: físico, mental, psicológico, espiritual, emocional, social. Tal objectivo enfrenta hoje numerosos desafios, que colocam em risco a possibilidade de se chegar à formação de pessoas humanas integrais. Os desafios referidos incidem, basicamente, sobre a matriz em que se desenvolve o processo de educação: a família. Cabe, pois, a esta examinar aqueles desafios, conhecê-los e identificar as formas e os procedimentos para superá-los.
Assim como a presença dos pais e das famílias nas várias etapas da evolução dos filhos é importante, o mesmo se pode considerar aos padrinhos. Eles deverão ser menos mestres do que guia, dando o exemplo de suas vidas, provocando conversas sugestivas, propondo leituras inspiradoras para os seus afilhados. O mais importante é que o afilhado possa chegar à convicção de que ele próprio é o principal agente de sua educação e da estruturação de sua personalidade, simplesmente porque é o principal responsável por sua própria felicidade. Alias, “a mais profunda pedagogia da existência humana não se encontra na esfera do dizer, mas na do viver”[3]. Ora, o cristão assume grave responsabilidade quando, com sua vida, é ocasião de escândalo e até de ateísmo, ao deixar de revelar e, ao invés disto, ocultar a verdadeira face de Deus e da religião (GS 19).
Não faz mal que a felicidade não seja a rima mais fácil para a felicidade: ainda que custe, cabe aos padrinhos darem tudo de si para que o afilhado construa a sua própria felicidade; porque apenas assim poderão eles também serem felizes e repousarem na tranquilidade.
A NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO
Para além dos aspectos fundamentais acima referidos, cada padrinho seja protagonista de valores espirituais e morais para a promoção da dignidade humana e do bem-estar.
O mundo hodierno está tão globalizado e que de certa forma a religião e a moral tendem a estar em segundo plano. A condição do homem no mundo actual se resume na esperança e temores e ainda procura compreender o mundo, as suas esperanças e aspirações e o seu carácter dramático; a evolução e o domínio da técnica e da ciência trazem mudanças na ordem social: mudanças psicológicas, morais e religiosas. E por conseguinte, esta evolução pode provocar desequilíbrios pessoais, familiares e sociais, porque o saber teórico e prático não traz satisfação ao homem. Tudo isso traz consequências negativas para o homem que ao mesmo tempo se torna causa e vítima. Porém, o ser humano deve dominar as coisas criadas e, é ele que pode estabelecer ordem política, social e económica que devem servir para a dignidade humana. Portanto, Jesus Cristo deve ser e é de facto a resposta e a solução da problemática humana (GS 4-10). Nesta óptica, um padrinho não pode desperdiçar a oportunidade de ser um bom guia para que o seu afilhado não se envolva em práticas anti-morais e contrárias ao dom da vida (prostituição, homossexualismo, suicídio, aborto, etc.) e, fique longe do uso de analgésicos e consumo de drogas (Álcool, Tabaco, Haxixe/Marijuana, Cafeína, Mirá, Inaláveis, etc.) para construir uma vida digna.
É mesmo no respeito pela vida e na dignidade da pessoa humana, onde o homem, como ser (não só carnal, mas também) espiritual por natureza, tem a potencialidade para viver numa relação com o Criador, uma vez que foi criado à sua imagem e semelhança (Gn 1,27). Pelo dom do Espírito Santo, o homem chega a contemplar e a saborear na fé o mistério do plano divino (GS 15) e na grandeza da liberdade, ele pode se converter ao bem. O padrinho não pode e nem deve se cansar de insistir seu afilhado, para que leve uma vida espiritualmente activa não deixando que esta espiritualidade seja vivida num vácuo. Também ajude-o a fugir de toda imoralidade.

SACRAMENTOS E VIDA CRISTÃ
Os sacramentos da nova lei foram instituídos por Cristo e são sete, a saber: o Baptismo, a confirmação, a Eucaristia, a Penitência, a Unção dos enfermos, a Ordem e o Matrimónio. Os sete sacramentos tocam todas as etapas e momentos importantes da vida do cristão: outorgam nascimento e crescimento, cura e missão à vida de fé dos cristãos. Há aqui uma certa semelhança entre as etapas da vida natural e da vida espiritual (CIC 1210).
Sendo sinais visíveis de uma graça invisível, os sacramentos celebram o mistério da Morte e Ressurreição do Senhor, unem o povo de Deus e exigem certas respostas daqueles que celebram: a fé em Jesus Cristo, a conversão, o compromisso. Só assim é que a graça de Deus pode ser eficaz. Não nos esqueçamos irmãos, de que Cristo Jesus fez sempre aquilo que era do agrado do Pai. Viveu sempre em perfeita comunhão com Ele. De igual modo, os seus discípulos são convidados a viver sob o olhar do Pai, “que vê no segredo” (Mt 6, 6), para se tornarem “perfeitos como o Pai celeste é perfeito” (Mt 5, 47). Reconhecendo pela fé a sua nova dignidade, os cristãos são chamados a levar, doravante, uma vida digna do Evangelho de Cristo (CIC 1692). E pelos sacramentos e pela oração, recebem a graça de Cristo e os dons do seu Espírito, que dela os tornam capazes. Assim diz S. Leão Magno, apelando todo cristão: “Reconhece, ó cristão, a tua dignidade. Uma vez constituído participante da natureza divina, não penses em voltar às antigas misérias da tua vida passada. Lembre-te de que cabeça e de que corpo és membro. Não te esqueças de que foste libertado do poder das trevas e transferido para a luz e para o Reino de Deus” (CIC 1691). De facto, Jesus Cristo é o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por Ele (Jo 14, 6). 

CONCLUSÃO
Os padrinhos desempenham um papel importante na inserção dos seus afilhados na comunidade cristã, na Palavra de Deus e na vida de oração. Que dentro da comunidade eclesial, os afilhados saibam viver numa relação que os leve a uma vida nova de maneira cristã, formando, assim, um só Corpo no qual Cristo é a Cabeça. Importa referir que, para um bom desempenho deste serviço e o bom acompanhamento dos afilhados, se tome em consideração um bom relacionamento, amor, amizade e proximidade, estando assim distantes do exemplo de vida que levam “gato e rato”. Dizia a escritora Dirce Bastos Pereira da Silva: “ Se os jovens, em nossos dias, são revoltados, é porque tiveram uma infância mal encaminhada – negligenciada ou superprotegida. Se os líderes decepcionam e os representantes do povo malbaratam os bens públicos, é porque, quando crianças, não aprenderam a respeitar os companheiros das brincadeiras. Se os casamentos se desmancham ou se arrastam em triste tolerância é porque os cônjuges, desde pequenos, não confiavam em si mesmos, não sabiam rir nem repartir, e não adquiriram, em tempo oportuno, conceitos correctos sobre o sexo. Se os homens se defrontam em guerras infinitas e sem razão, é porque nos seus lares conheceram mais o ódio que o AMOR. Se os pais e educadores abandonarem a repressão e educarem com AMOR, salvarão não só a criança, mas também o ameaçado Planeta em que vivemos”[4]. Portanto padrinhos e madrinhas, saibam exercer as funções que vos foram confiadas por Deus. Em Deus nada é impossível.  


  
BIBLIOGRAFIA
SCHLESINGER, H. & PORTO, H., Dicionário Enciclopédico das Religiões, K-Z, Vozes, Petrópoles, 1995.
AA.VV., Dicionário de pastoral 4, Perpétuo Socorro, Porto, 1990.
CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Constituição pastoral, Gaudium et  Spes, Roma, 1965.
CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO anotado, Diário do Minho, Braga, 1997.
PEREIRA, D. B. SILVA da, Pais e filhos: Educação Responsável, Paulinas, S. Paulo, 1986.
GONÇÁLVES, L. T. & GONÇÁLVES, L. E., Educação: a família desafiada, Paulus, S. Paulo, 1994.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, Gráfica de Coimbra, Lisboa, 1999.  


[1] HUGO SCHLESINGER – HUMBERTO PORTO, in Dicionário enciclopédico das religiões, K-Z, (Sub art. Padrinhos), Vozes, Petrópoles, 1995, pag. 1963.
[2] C. FLORISTÁN, in Dicionário de pastoral 4, (sub art. Padrinho), Perpétuo socorro, Porto, 1990, pag. 392.
[3] TIDA E ERNESTO LIMA GONÇÁLVES, Educação: a família desafiada, Paulinas, S. Paulo, 1994, pag. 255
[4] Texto estampado no verso da capa do livro com o seguinte título: Pais e filhos: Educação Responsável, Paulinas, S. Paulo, 1986.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

TU ÉS TRINDADE - Ângelo Comastri

                                                                   INTRODUÇÃO
O presente trabalho cujo tema é Tu és Trindade, pretende investigar e entender como se pode falar das três pessoas divinas, cada uma vista como Deus, numa religião que professa uma fé monoteísta. Tem também por objectivo pesquisar como a Santíssima Trindade se manifestou na história humana durante os séculos. E por fim, perceber o papel de cada uma das três pessoas divinas, sua relação e semelhança.
A justificativa que nos conduziu a fazer escolha desta obra, além do autor ser uma figura que actualmente é famosíssima em matérias de teologia católica, é pelo facto de nos parecer estar a descrever e desenvolver bem a matéria da Santíssima Trindade, sem colisão de ideias. A comunidade da Santíssima Trindade, em Ângelo Comastri, é composta por Três Pessoas divinas: Pai, Filho, que revela o Pai, «Abbá!», e, por fim, o Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, e de quem os profetas foram inspirados para profetizar a vinda do Messias.

CAPÍTILO I: DEUS TOMA A CONDIÇÃO HUMANA
A Bíblia está cheia de lições sobre a raiz do mal. Este brota da má gestão da liberdade, usada contra Deus e o próprio ser humano. «O homem ao se opor a Deus arruinou ou perverteu a criação. Esta oposição trouxe consequências negativas à própria pessoa humana, porque desligou-se e rompeu a ligação com a sua fonte vital que é Deus» (COMASTRI, 2000: 64).

1.1 A corrupção do pecado de Caim e a resposta de Deus
A natureza humana, além do pecado de Adão e Eva, conheceu também outros pecados, como a adoração dos Baal (Os 13, 13). Com esta queda a natureza fragilizou-se e ficou vulnerável ao mal, tornando-se coisa imunda e destruída. Decerto que o pecado por essência possui efeitos devastadores, censuras e cisão com o Criador.
Por inveja, Caim mergulhou-se na raiz do pecado e matou o seu irmão Abel (Gn 4, 8). Ele se opõe a Deus que lhe questiona «onde está o seu irmão Abel» (Gn 4, 9). O pecado de Caim ilustra a corrupção da humanidade. O pior é o facto dele permanecer na indiferença como se nada de mal tivesse cometido: «Não sei. Por acaso eu sou o guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Isto demonstra a perversão e a falta de arrependimento da criação face à corrupção do pecado.
A sua resposta oponente causa a ira de Deus e obriga-O a tomar uma decisão. Daí que Caim recebeu a esperada sentença divina «agora, és maldito e expulso do solo fértil» (Gn 4, 11). A preocupação de Deus sobre Abel revela a misericórdia que Ele tem para com a sua criatura. Como uma mãe, «o coração de Deus permanece aberto ao ser humano pecador e o Seu amor é infinito» (p. 65). A intervenção e a resposta de Deus neste episódio revelam a infinita misericórdia divina e ternura salvífica. Apesar da humanidade ir contra Deus, Este não a aprisiona, porém a sua paciência arde de paixão salvadora à sua criatura e clama «o meu povo é difícil de se converter: é chamado a olhar para o alto, mas ninguém levanta os olhos» (Os 11, 7).
Deus não se identifica com o mal e com o pecado mas compadece-se com aquele que sofre e por ele se preocupa: «quem matar Caim será vingado sete vezes» (p. 65), portanto, Ele não fica tranquilo como um pai que se preocupa com o seu filho (como sucede no episódio do filho pródigo). Deus não só ama a sua criatura mas também perdoa e permanece com aquele que O ama.
Várias vezes Israel renegou e abandonou o Deus verdadeiro que lhe libertou da escravidão no Egipto, seguindo deuses alheios e ídolos, porém Ele permaneceu fiel ao seu povo. Conforme o livro de Samuel a vingança de Deus é de amor (1Sm 8, 7-9).

1.2  As profecias e a esperança do Messias
O percurso histórico do AT está repleto de profecias e visões sobre a vinda do Messias. A partir da criação da humanidade a terra encheu-se de profecias, a começar pelo encerramento do drama da decisão de Deus sobre a humanidade pecadora «porei inimizade, lhe esmagarão a cabeça e ferirá o calcanhar (Gn 3, 15)» (p. 67).
Porém dá-se uma esperança depositada sobre a descendência da mulher, desde Abraão, a quem Deus chamou e tirou de sua cidade para lhe dar uma nova terra e lhe prometeu multiplicar-lhe a descendência. Volvidos muitos anos e séculos, o profeta Zacarias do séc. IV a. C, profetizou a vinda do Messias. Segundo a mentalidade israelita o Messias esperado seria político, guerreiro, forte e general de exército que viria libertar o povo dos inimigos; porém o profeta Zacarias adverte que o Messias será humilde.
A profecia de Zacarias confunde os ouvidos dos seus ouvintes: «dance de alegria, cidade de Sião, grite de alegria, cidade de Jerusalém, pois agora seu rei está chegando, justo e vitorioso. Ele é pobre» (pp. 18-19). Com efeito, as características descritas por Zacarias são divinas. Porque no sentido verdadeiro, a característica fundamental de Deus é a humildade, por isso que o Messias, o Ungido de Deus tinha de ser humilde.
Esta profecia foi reforçada por Miqueias que testemunhando que o Messias viria da pequena Belém de Éfrata, disse: «mas tu, Belém de Éfrata, tão pequena entre as principais cidades de Judá! É de ti que sairá para mim aquele que há-de ser o chefe de Israel! A origem dele é antiga, desde os tempos remotos» (Mq 5, 1).
 Mais outra razão que cria confusão na mentalidade dos judeus. Porque para eles só o Espírito Santo podia anunciar: o Messias será e humilde; pois isto nunca passou pelas suas cabeças de que o Messias de que esperavam teria as características acima descritas e que viria de Belém. De facto, alguns deles questionavam mas de Belém veio coisa boa? É pela humildade do Messias que muitos santos se inspiraram e se pronunciaram a seu respeito. São Francisco veio a reconhecer o Messias, na sua oração, aquando afirmou «Tu és a humildade. O Messias, de facto, é humilde» (p. 19).
Outro profeta é Isaías que também profetizou sobre um Messias humilde, desprezado e rejeitado pelos homens, pobre, humilhado, preso, oprimido, julgado injustamente e condenado à morte (Is 52, 13-15).
Estas profecias tiveram sua realização com o nascimento de Jesus, o Messias, numa manjedoura (Lc 2, 7), ao invés de nascer no palácio real. Mesmo o próprio Messias teria dito à multidão no evangelho de Mateus ao declarar «aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração» (Mt 11, 29). Contudo, Deus é humilde e seu dom de amor é infinito.

1.3 O «Sim» de Maria e o Natal
A concepção do Messias foi um mistério divino que precisou da criatura humana para a sua realização. Todos os evangelhos nos atestam que o mistério de anunciação à Nossa Senhora foi possível com um sim. Assim, tendo chegado o tempo do Filho de Deus descer à terra, o anjo Gabriel foi enviado por Deus à Virgem Maria, da cidade da Galileia chamada Nazaré (Lc 1, 26). É este anjo que trouxe a verdadeira notícia para salvação da humanidade pecadora.
Depois que Maria recebeu a saudação do anjo «eu te saúdo, alegra-te. Tu, foste olhada com benevolência, que foste amada e és amada por Deus» (p. 44). Com esta saudação, Maria já sentiu uma mudança em sua vida, sentiu que algo de misterioso e tremendo acontecia na história dos homens.
O mensageiro divino revelou-lhe «Eis que você vai ficar grávida, terá um filho, e dará a ele o nome de Jesus. Ele será chamado Filho do Altíssimo» (Lc 1, 31-32). De imediato, Maria procurou compreender o que Deus quer, questiona, ciciando: «como vai acontecer isso, se não vivo com nenhum homem?» (Lc 1, 34).
Quando Maria ouviu a promessa da cobertura que será feita pela força do Espírito Santo, compreendeu que Deus queria sua maternidade, pela fé indubitavelmente pura e total, exclamou: «Eis a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua vontade» (Lc 1, 38). Foi graças a este eis-me, isto é, o sim de Maria que o Filho do Altíssimo desceu e se incarnou no seio da Virgem, e, tomando a condição humana, habitou entre nós. Com efeito, por Ele nos veio a salvação.
O sim de Maria foi um acto de fé tão grande que até hoje nos comove. O seu sim não foi enganador, mas uma profissão verdadeira de fé. Um sim de confiança e de abandono às mãos de Deus. Maria «ao dizer sim ao Eterno permitiu que Jesus Cristo se fizesse nosso irmão e Salvador. Podemos dizer que o sim de Maria foi o maior monumento, maior catedral já nesta terra» (p. 44).
Importa salientar que o sim de Maria mudou toda a história humana, a começar pelo sentido do nome natal. Se antes o natal era uma festa social, hoje, com nascimento de Jesus já não conhecemos assim, pois este ganhou um novo e verdadeiro sentido, isto é, Natal cristão: nascimento de Jesus Cristo, Filho do Altíssimo.
De facto, o evangelista Lucas (Lc 2) confirma-nos que houve um recenseamento; e todos iam viajando às suas cidades de origem; também José e Maria, sua esposa, que estava grávida, puseram-se a caminho da Galileia para a Judeia. E tendo entrado em Belém, completaram-se os dias para o parto de Maria. Conforme as profecias o Messias será pobre e humilde, assim cumpriram-se e nasceu, «Maria deu à luz seu filho primogénito. Ela o enfaixou, e o colocou na manjedoura» (p. 27). Enfim, é este evento decisivo que veio mudar o antigo sentido do natal e que salvou a criatura humana, que de outrora jazia sob o pecado; no natal nasceu o Deus frágil e humilde.
1.4 Jesus, o Pobre de Belém, revela o Pai
Na narração da última Ceia, o evangelista João coloca uma conversa entre Jesus e com os seus discípulos; Filipe disse ao Mestre: «Senhor, Tu falas tanto do Pai. Mostra-nos o Pai e isso nos basta». O Mestre retorquiu «faz tanto tempo que estou no meio de vós, e tu ainda não me conheces, Filipe? Quem me vê, vê o Pai» (Jo 14,8-11).
Assim podemos dizer que Jesus é a face de Deus; é a face de Deus Pai vista na terra ao olho desnudo à luz do dia. É claro que Moisés também desejou ardentemente ver o refulgente rosto de Deus, quando pediu «Senhor, mostra-me tua glória; mostra-me ver a tua face» (Ex 33,18). Neste seu desejo recebeu uma resposta infeliz: «Moisés, tu não podes ver a minha face e continuar vivo. Quando se contempla o infinito, a história acaba, a vida termina. Morrerias, Moisés» (Ex 33, 20-23).
Deus tinha de encontrar um justo meio para Se fazer ver ao homem e este continuar vivo. O justo meio é Jesus. É bom saber que só Jesus revelou Deus Pai na terra. Porque, como certifica o prólogo de são João que, «ninguém jamais viu a Deus; quem nos revelou foi o Filho único, que está junto do Pai» (Jo 1, 18). Isto é, «Jesus é o Emmanuel, é Deus connosco, é Deus que Se fez visível e encontrável. O Verbo fez-se carne e montou sua tenda entre nós» (p. 26). Contudo, Jesus Cristo, só Ele, é a face de Deus na terra.
É este Emmanuel que nos revelou a verdadeira identidade de Deus. Toda a vida de Jesus foi Deus que falou e revelou o Seu mistério; especialmente a paixão, a crucificação, morte e ressurreição revelam o mistério do Pai. 

CAPÍTULO II: O ESPÍRITO SANTO
Para falar do Espírito Santo, a Bíblia usa a comparação: como. Esta é uma linguagem conhecida e usada. Sabe-se de antemão que o Espírito Santo é a terceira pessoa da santíssima trindade, porém para se fazer uma clara descrição sobre Ele, então usa-se a comparação como.

2.1  A Acção do Espírito Santo na Vida de Jesus
Etimologicamente o termo Espírito é uma transferência feita pela Vulgata do «termo latino ‘Spiritus’, querendo traduzir a palavra neutra grega 'πνευμα', para significar a palavra ‘Ruah’ de origem hebraica, de género feminino para indicar hálito, sopro, vento» (p. 80).
Os três sentidos da Ruah aludem ao sopro de Deus que, em Génesis aquando da formação do Homem, Deus soprou sobre ele e começou a viver. Tanto o AT quanto o NT estão cheios de eventos divinos que manifestam a presença do vento de Deus.
No dia da Páscoa, Jesus soprou sobre os apóstolos para comunicar-lhes o dom do Espírito Santo: «tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: 'recebei o Espírito Santo'» (Jo 3, 5-8). Por sua vez, o livro dos Actos dos Apóstolos, sobre o dia do Pentecostes, afirma que «de repente, veio do céu um barulho como sopro de um forte vendaval. Todos ficaram repletos do Espírito Santo» (Act 2, 2-4).
Trata-se do sopro, hálito, fogo ou vento de Deus que dá a vida, a força que faz viver. É este hálito ou sopro de que respiramos, aliás, o nosso autor atesta-nos que «o hálito indica intimidade, o sopro íntimo de uma pessoa; nesse caso (…) indica a respiração de Deus. O Espírito é como o vento porque é a expressão máxima da liberdade, que é doação pura que voa em todas as direcções, sem condicionamentos nem preconceitos. Verdadeiramente o Espírito sopra em toda parte, como o vento» (pp. 80-81).
São Tomás de Aquino verbalizou que «toda a verdade autêntica, quem quer que a pronuncie, vem do Espírito Santo» (p. 80). Toda a vida de Jesus, desde o mistério da incarnação até à ressurreição, foi acompanhado pela acção do Espírito Santo. Por isso, só entende-se o mistério de Jesus se for lido sob a acção do Espírito Santo, isto porque «ninguém pode dizer: 'Jesus é o Senhor', a não ser sob a acção do Espírito Santo» (1Cor 12, 3). Daí que sem o Espírito Santo, torna-se incompreensível a vida de Jesus.
São várias as comparações do Espírito Santo, além das que temos acima. Ele é comparado com água pelo facto desta ser casta, indispensável e muito útil na vida humana; por ser lenta e humilde, pois quando é deitada a abaixo desce e escorre em silêncio. É também comparado com a pomba, desde origem da Bíblia «o Espírito de Deus pairava sobre as águas» (Gn 1, 2); e no episódio do dilúvio, uma pomba voou até a terra e levou a Noé um ramo de oliveira como sinal do fim das inundações.
Mateus testemunha aquando do baptismo de Jesus: «depois de ser baptizado, Jesus logo saiu da água. Então o céu se abriu e viu o espírito de Deus, descendo como pomba e pousando sobre Ele» (Mt 3,16). Uma passagem do grande Cântico, a esposa é comparada a uma pomba: «são pombas, seus olhos. É uma pomba sem defeito» (Ct 4, 1; 6, 9). A pomba tem um sentido simbólico pois revela o Espírito é o amor- pessoa: é a doação de Deus.  

2.2  O Pentecostes e a Igreja
Após a ressurreição dos mortos, Jesus entrou na sala e disse aos discípulos «a paz esteja convosco. Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio. Tendo dito isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: 'recebei o Espírito Santo'» (Jo 20, 19-22). Aqui vê-se claramente o envio dos apóstolos. Com efeito, a humanidade acesa pelo fogo do amor de Deus. É com este fogo com o qual o novo povo de Deus será baptizado (Act 1, 4-5).
Quando chegou o dia de Pentecostes, os apóstolos receberam plenamente o Espírito Santo que lhes permitiu falar línguas estranhas e ao fim do cabo «todos tinham os mesmos sentimentos e eram assíduos na oração, junto com algumas mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos de Jesus» (Act 1, 14). Porém, os apóstolos receberam a ordem: Ide a todo o mundo e anunciai o evangelho. Para tal, com a vinda do Espírito Santo sobre eles, reunidos no Cenáculo de Jerusalém, o tempo da Igreja teve o seu início.

2.3  Os dons do Espírito Santo
Ulteriormente da recepção do Espírito Santo e o respectivo envio dos apóstolos, seguiu-se a era da Igreja. De certo que a sua actividade apostólica tinha de ter frutos evidentes que exprimissem a acção e a presença do Espírito. Tais frutos deviam notar-se no fiel cristão. O Espírito Santo sendo a graça que é dada por Deus, tem seus dons, que são sete: amor (com que se deve amar a Deus e ao próximo em cumprimento do primeiro mandamento), sabedoria (sãpere = saborear e apreciar das coisas da Palavra de Deus).
A sabedoria «é o gosto das coisas de Deus, ao paladar da alma. Ela está no mundo para acolher os vários sinais e mensagens sapienciais enviados por Deus, pelo que a alma exulta imensamente» (p. 90). Inteligência é o dom da profundidade que facilita discernir o bem do mal e a acolher Deus. Conselho que permite ao cristão encontrar o caminho da vida; ajuda a descobrir o plano que Deus tem para o homem.
Fortaleza ou dom da coragem, tenacidade, perseverança no bem a qualquer for, a exemplo do próprio Mestre que soube encarar a crucifixão no madeiro da Cruz, assim como os santos. A ciência é semelhante a sabedoria e inteligência. É o conhecimento de Deus.
A Piedade ajuda a considerar Deus como Pai e o outro como a si mesmo. E por fim, temor de Deus que torna o crente consciente da grandeza, da sabedoria e do valor de Deus; sem deixar por traz o respeito que é-Lhe devido.

CAPÍTULO III: «ABBÁ!» PAI
A corrupção ou queda da humanidade, segundo a Bíblia, criou amargura e decepção de Deus diante do ser humano, pois Ele viu que a maldade do homem crescia na terra e que todo projecto do coração humano era sempre mau; e por isso Se arrependeu de ter feito o homem e seu coração ficou magoado (Gn 6, 5-6).
3.1  As consequências do pecado e o envio de Jesus.
Por essência o pecado é mau porque causa o mal, daí que Deus recomenda que se fuja do mal e exorta a se trilhar sempre os caminhos do bem. O pecado é auto-punitivo e auto-destrutivo. Por isso que quando o homem pecou, escondeu-se de Deus, fugindo da Sua presença.
Nisto, «o pecado tornou o homem num arco frouxo, abre uma brecha na dignidade humana; o pecado possui consequências dramáticas, é prejudicial ao homem; o pecado muda-o para o pior» (p. 102). Deus como Bom Pai, não esqueceu dos seus filhos, quando estes se afastam, procura-os com ternura e com uma tenacidade inesgotável. Através desta ternura, Deus dialoga com o homem para o fazer voltar, por meio de misericórdia e perdão, chama-o (ex. Abraão que foi tirado da sua terra natal e prometido numerosa descendência).
O diálogo entre Deus e o homem foi estabelecido ao longo da história humana, pelos vários profetas. Tal diálogo culminou com o envio do Filho para salvar a humanidade. Aqui Jesus é o verdadeiro anunciador do perdão do Pai. Este, durante a oração, revelou o Pai, ao ensinar os seus discípulos a dirigir-se a Deus como «Abbá» (Mt 6, 7-13).
Toda a história do homem está repleta de um binómio: fidelidade – infidelidade à aliança de Deus; e gira num movimento quaternário: o povo peca, Deus castiga; o povo se arrepende, Deus perdoa.

3.2  Jesus crucificado é imagem do Pai
Jesus, por amor do seu povo, morreu na cruz para o salvar. Ele mostra um coração bondoso, um pastor que dá a vida pelas ovelhas. Deus é como um pai que espera o filho (Lc 15, 28) e preocupa-Se pelo pecador arrependido. A misericórdia apresentada por Cristo na parábola do filho pródigo tem por ápice o amor ágape. É o amor ágape que Deus tem para com os Homens.
O sentido fundamental de todo o mistério de Jesus está no Pai. Este mistério é de amor. Ao falar do Pai, Jesus revelou coisas especiais, belas e fundamentalmente iluminadoras: Deus procura o homem a cada hora e em qualquer situação, pronto para o acolher até o último instante da sua vida, porque «o Reino do céu é como um patrão, que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha» (Mt 20, 1); e Deus se compraz em salvar e não condenar.
A imagem do Pai que Jesus deu a conhecer aceita todas as asperezas feitas pela maldade dos homens, maturando-as suavemente ao amor. É um pai sempre inquieto com a ausência do filho, e que enfrenta a maldade do filho com amor, arma do perdão. 
3.3  A manifestação do Pai ao Filho na cruz
Tendo cumprido a sua missão, Jesus revelou a qualidade da omnipotência de Deus, que é serva do Seu amor. Aliás, o objectivo fundamental da missão de Jesus, foi expresso, por Ele, na cruz, na oração sacerdotal «Pai justo, o mundo não Te conheceu, mas eu Te conheci que Tu me enviaste. Eu lhes dei a conhecer o teu nome e lhes darei a conhecê-lo, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e eu neles» (Jo 17, 25-26).
O objectivo da vinda do Filho de Deus é: cingir a humanidade contra si com o dom do Espírito do amor, a fim de que a possa envolver em um só abraço. Esta é a história da salvação, na qual Deus está envolvido: Pai, Filho e Espírito Santo. Ainda na cruz, Jesus, embora os soldados o caçoavam, pediu perdão para os seus algozes.
É este amor-perdão com que Deus manifestou na cruz, e a Sua cólera vira-se em perdão. Contudo, crer no Filho crucificado significa ver o Pai, crer no Seu amor e significa acreditar na sua infinita misericórdia.


CONCLUSÃO
Depois de termos bebido da doutrina trinitária em Ângelo Comastri, entendemos que durante a história da humanidade não houve um momento no qual o homem ficou sem Deus. Desde o Génesis até o último livro do NT, Deus intervém na humanidade. É Deus que faz o homem à sua imagem e semelhança e sopra sobre ele e o faz viver.
Na doutrina da Trindade vimos que na sua bondade, Deus Pai construi o mundo com Sabedoria (Espírito Santo). Esta Sabedoria divina nunca se afastou da presença de Deus e do homem. Aliás Ela é o Amor que procede do Pai e do Filho. Enfim, há o Filho, Jesus Cristo, que obedecendo o Pai, soube permanecer fiel no Pai e cumprir a sua vontade. É este Filho pelo qual nos veio a revelação da verdadeira identidade de Deus.
O Filho, por amor ao seu povo, morreu na cruz e nos trouxe a salvação. Contudo, as Três pessoas divinas são o mesmo e único Deus que se manifesta de diversas formas, portanto, é um Deus que sempre está perto da sua criatura, ama, perdoa e a salva.  

BIBLIOGRAFIA
COMASTRI, A., Tu és Trindade, 1ª edição, Paulinas, São Paulo, 2000.

ANEXO
Ângelo Comastri nasceu a 17 de Setembro de 1943 em Sorano Fernando. Estudou entre as escolas da sua cidade natal, nos Seminário de Pitigliano e o de "S. Maria della Quercia" Viterbo, na Pontifícia Universidade Lateranense e no Pontifício Seminário Romano. Em 1967 foi ordenado sacerdote. Foi vice-reitor do Seminário Menor de Pitigliano.
Depois foi nomeado oficial da Sagrada Congregação Consistorial e director espiritual do Pontifício Seminário Romano. Em 1979 foi pároco de S. Stefano Protomartire no Porto Santo Stefano e delegado episcopal para os seminaristas que vivem fora da Itália. De 1990 a 1994 foi Bispo de Massa Marittima-Piombino, depois presidente do Comité Nacional italiano para o Jubileu do ano 2000.
Em 2005 presidiu o Tecido de S. Pedro e Coadjutor Arcipreste da Basílica de S. Pedro. Em 2007 foi nomeado Cardeal-diácono de S. Salvatore em Lauro, por Bento XVI. Actualmente é vice-presidente da Pontifícia Academia da Imaculada e membro da Congregação para as causas dos Santo. Participou no conclave papal da eleição do Papa Francisco.