Introdução
Os actos do homem têm sentido por definição fundamental. Mais ainda, as decisões humanas dependem doutras decisões mais radicais das quais derivam e, no fundo, dependem da decisão fundamental. É preciso reconstruir cadeias de deliberações que desembocam, por último, numa escolha e opção.
Apartir da analítica Kierkegaardiana da existência, o conceito de “opção” adquiriu particular relevo filosófico. Para kierkegaard, sensível às múltiplas e irredutíveis alternativas com que se debate a liberdade humana, existir é optar e, por isso, a opção constitui o caracter distintivo da existência.[1] Não se trata de uma opção qualquer, mas da Opção Fundamental, que em todas as opções particulares e concretas necessariamente se contém como escolha. Neste acto fundamental e envolvente reside a essência da liberdade. Porque nele se assume ou repete a escolha irrevogável de Deus, a Opção Fundamental introduz o eterno no tempo, o necessário no contingente, conferindo à interioridade que se faz estabilidade e consistência. Mais importante do que o que se escolhe é optar pela escolha, porque só desse modo se ultrapassa a esfera da estética, própria do sedutor e dilectante, e se penetra na esfera da moralidade em que o existente vive a sua existência. Neste sentido pode-se dizer que a Opção Fundamental representa o baptismo da vontade, o acto gerador da personalidade. É mesmo dentro da Teologia Moral que iremos tentar trazer à tona a questão da Opçao Fundamental partindo da sua origem, apreciação filósofica, visão antropológica e na realidade da opção cristã.
Origem
O contexto de origem do conceito fica muito distante da problemática extritamente ética. É mister buscá-lo mais no intuito de desenvolver uma psicologia da graça, a fim de perceber o momento da justificação dos termos de autoconsciência livre do justificado. Tende-se à superação de um positivismo e extrinsecismo teológico, que prescinde totalmente de sua base antropológica. No centro se quer colocar a mediação hermenêutica entre dimensão teológica e dimensão antropológica da existência cristã; a iniciativa salvífica de Deus pessupõe como condição de possibilidade uma potencialidade receptiva no próprio homem, a qual se realiza primordialmente por meio de Opção Fundamental como auto determinação global que envolve o sujeito em sua totalidade. A Opção Fundamental se apresenta mais como entidade prefixada e atemática, o que não reduz sua incisividade. A teologia moral tradicional, especialmente o ramo tomista, dispensou conveniente atenção à decisão básica para o último fim. Hoje, o tema tradicional da escolha do último fim tem de ser abordado levando em consideração os estudos e os pontos de vistas psicológicos.[2]
O conceito de Opção Fundamental foi depois completado pelo teologúmeno de opção final (P. Glorieux; L. Boros),[3] segundo o qual o homem realiza a opção definitiva e decisiva de sua salvação no instante da morte. As opções particulares que fez durante todo o tempo de sua história predeterminam, embora não de modo automático, seu resultado definitivo. Próximo do conceito, está o de intenção básica, a qual significa mais do que apenas uma piedosa intenção relativa a certas obras. Uma intenção com a dinâmica de impregnar plenamente a orientação e a qualidade de todas as decisões e ações livres da pessoa.
Apreciação Filosófica
A ética filosófica tem contribuido para uma copmpreensão mais articulada da Opção Fundamental no campo da teologia moral. Seria preciso, antes de mais, empregar o termo predecisão. Como dissemos a cima, o termo remete à filosofia hermenêutica, e é o correlato existencial da précompreensão, encarada como relação directamente vivida do conhecimento em busca de seu objecto apropriado. Segue-se daí toda decisão particular para ser adequadamente compreendida e avaliada, deve referir-se à matriz de sua pré-decisão. Ela assinala a orientação da liberdade para o bem, orientação que é a condição de possibilidade para a eleição dos bens particulares que cada um faz. O sujeito se aproxima das várias situações que deve enfrentar em virtude da dinâmica inerente à sua pré-decisão.
O resultado da eleição particular está prédeterminado embora não de modo automático pela pré-decisão. O homem não propõe actos particulares que se sucedem por justaposição; ao invés a pluralidade dos actos é que está marcada pelo princípio unificador, que reside na pré-decisão. Na história do sujeito moral particular a Opção Fundamental concide com a eleição do bem como tal (J. Maritain);[4] cada um dos seus actos particulares subsequentes é a confirmação e ratificação do começo estabelecido de uma vez por todas. A dinámica da práxis moral tem sua origem nesta eleição inicial.
Visão antropológica
Opcção Fundamental representa a orientação ou direição de toda a vida para o fim último. O homem tem uma capacidade de decisão nuclear que se vai desenvolvendo na singularidade dos diversos comportamentos. Embora não se comprometa totalmente num acto singularizado, a Opção Fundamental vai incarnando nas decisões particulares; modifica-se até pode ser substituida ao longo da existência pessoal.[5]
A verdade moral coexiste com uma visão perfeitamente determinada do homem, posto que a Opção Fundamental nasce do centro da pessoa, fundamenta e garante uma forte continuidade e consistência dinámica. Em compensação, as opções particulares ficam na periferia e se caracterizam por uma menor profundidade. O homem se identifica com elas de modo parcial e condicionado, o que se reflecte no compromisso subjectivo correspondente. A Opção Fundamental assinala uma orientação básica, ao passo que as opções da periferia permanecem sujeitas à índole mutável da temporalidade. Ela está presente e operante em nível de motivações, porque a ela compete activar o significado profundo dos valores morais. As particulares brotam daí sob o aspecto de sua bondade.
A Opção Fundamental na realidade da opção cristã.
Nesta perspectiva a Opção Fundamental pode ser identificada com a caridade. Enquanto decisão central do cristão, ela é orientação radical para Deus. Essa orietntação é a decisão de viver em relação de amizade com Deus, em caridade. Encontramos no Novo Testamento expressões para indicar o significado da Opção Fundamental cristã tais como: identificar-se com o agir de Cristo (Jo 12,24) e; fazendo a escolha radical e totalizadora entre “Deus” e o “dinheiro” e, por fim, a espressão “vendendo tudo”, desde que se possa conseguir a pérola preciosa ou tesouro escondido.[6]
OPÇÃO FUNDAMENTAL E TEOLOGIA MORAL
A Opção Fundamental representa o núcleo decisional-operante da identidade dinâmica do sujeito. Por meio dela o sujeito moral se auto-determina para o bem moral; tende para as metas que têm de ser criadas por seu projecto de vida. Em consequência disto, vem a construir-se no sujeito uma consistência fundamental que se mantém firme diante das várias eleições particulares, enquanto se colocam no contexto de situações não raramente imprevisíveis. A Opção Fundamental além de estar presente e operante nas eleições particulares e lhes comunicar um nexo unificador e existencial, reveste-se do carácter de realidade doptada de intensidade, que depois se desdobra em nível extensivo, ou seja, espaço temporal.
A relação entre a Opção Fundamental e opções particulares se apresenta como participação por analogia. As opções particulares participam da opção fundanmental de maneira analógica, sem jamais esgotar sua plena potencialidade. Não estão uma junto à outra; mas, ao contrário, se distinguem por sua gradação intrinseca. Justamente sob este aspecto é que se introduz a distinção entre actos centrais e actos periféricos. Trata-se de uma distinção de graus, ou seja, indica os diversos graus do compromisso autodeterminativo.
Sendo Opção Fundamental a fonte e matriz de cada uma das opções, a ela compete assinalar a condição existencial em que vem a encontrar-se a liberdade do sujeito. Ela não deve ser concebida como entidade estática, que permaneceria invariável durante todo o tempo de cada uma das história pessoais, pelo contrário, está sujeita a um processo de amadurecimento contínuo, que deve ser desenvolvido pelas motivações e intenções dominantes de cada agente.
O sujeito moral avança e cresce mediante uma penetração compreensiva do significado pleno do próprio projecto de vida. A Opção Fundamental assume também significados derivados. Antes de tudo, pode-se entender como eleição preferencial de valores morais bem determinados. Outra acepção é ditada pelo princípio de economia das forças de que se despõe. Faz-se uma escolha preferencial para não despersar-se e para garantir um máximo de eficácia ao próprio projecto de vida.
Conclusão
O homem compreende, interpreta e ordena a variação das vicissitudes temporais, imprimindo-lhes um projecto. Assim se manifesta dono de sua própria história. A Opção Fundamental abre o caminho para si e, sob sua direcção, o tempo se converte em história. Como caminho da vida moral, pela Opção Fundamental a pessoa exprime nuclearmente o dinamísmo ético da sua vida enquanto sujeito responsável. Portanto, a Opção Fundamental é a decisão pela qual o homem determina livre e radicalmente a sua relação em ordem ao último fim. Esta decisão e disposição de si próprio costumam ser feitas de maneira implicativa (consciente e livre) nos comportamentos singularizados.
Segundo Bernhard Haering, a pessoa, homem ou mulher, deve considerar toda a sua vida como auto-expressão para o bem ou para o mal, em última análise, como resposta existencial à auto-revelação de Deus que, em Jesus Cristo, revela e dá-se a si mesmo a nós.[7] As grandes decisões da vida estão em sintonia com a opção fundamental, se atingem aquela profundindade na qual a pessoa está ciente de que sua decisão entende dispor da sua vida com dinâmica de carácter definitivo, por uma disposição de si definitiva. A Opção Fundamental é para o bem e para Deus, quando a pessoa faz a verdade no amor de modo que ela exprima e traduza firmememte sua verdade de vida, enfrentando a responsabilidade dela.
Bibliografia
AA.VV., Dicionario de teologia moral, Paulus, São Paulo, 1997.
AA.VV., Enciclopédia luso brasileira de cultura nº 21, Verbo, São Paulo, 2001.
HAERING Bernhard, Teologia Moral para o Terceiro Milénio, Paulinas, São Paulo, 1991.
------------------------, Livres e Fiéis em Cristo – Teologia moral para Sacerdotes e Leigos, Paulinas, São Paulo, 1979.
VIDAL Marciano, Dicionario de moral, Perpétuo Socorro, Porto, s/ano.
[1] Freitas M, C, «opção» in Enciclopédia luso brasileira de cultura nº 21, Verbo, São Paulo, 2001, p.794.
[2] Haering B., Livres e Fiéis em Cristo – Teologia moral para sacerdotes e leigos, Paulinas, São Paulo, 1979, p.156.
[3]Demmer K., «Opção Fundamental», in Dicionario de teologia moral, Paulus, São Paulo, p. 873.
[4] Ibdem, p. 873.
[5]Vidal M., Dicionario de moral, Perpétuo Socorro, Porto, s/ano, p.461.
[6] Ibdem , p. 462.
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