quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O homem e a opção fundamental

Introdução
Os actos do homem têm sentido por definição fundamental. Mais ainda, as decisões humanas dependem doutras decisões mais radicais das quais derivam e, no fundo, dependem da decisão fundamental. É preciso reconstruir cadeias de deliberações que desembocam, por último, numa escolha e opção.
Apartir da analítica Kierkegaardiana da existência, o conceito de “opção” adquiriu particular relevo filosófico. Para kierkegaard, sensível às múltiplas e irredutíveis alternativas com que se debate a liberdade humana, existir é optar e, por isso, a opção constitui o caracter distintivo da existência.[1] Não se trata de uma opção qualquer, mas da Opção Fundamental, que em todas as opções particulares e concretas necessariamente se contém como escolha. Neste acto fundamental e envolvente reside a essência da liberdade. Porque nele se assume ou repete a escolha irrevogável de Deus, a Opção Fundamental introduz o eterno no tempo, o necessário no contingente, conferindo à interioridade que se faz estabilidade e consistência. Mais importante do que o que se escolhe é optar pela escolha, porque só desse modo se ultrapassa a esfera da estética, própria do sedutor e dilectante, e se penetra na esfera da moralidade em que o existente vive a sua existência. Neste sentido pode-se dizer que a Opção Fundamental representa o baptismo da vontade, o acto gerador da personalidade. É mesmo dentro da Teologia Moral que iremos tentar trazer à tona a questão da Opçao Fundamental partindo da sua origem, apreciação filósofica, visão antropológica e na realidade da opção cristã.
Origem
O contexto de origem do conceito fica muito distante da problemática extritamente ética. É mister buscá-lo mais no intuito de desenvolver uma psicologia da graça, a fim de perceber o momento da justificação dos termos de autoconsciência livre do justificado. Tende-se à superação de um positivismo e extrinsecismo teológico, que prescinde totalmente de sua base antropológica. No centro se quer colocar a mediação hermenêutica entre dimensão teológica e dimensão antropológica da existência cristã; a iniciativa salvífica de Deus pessupõe como condição de possibilidade uma potencialidade receptiva no próprio homem, a qual se realiza primordialmente por meio de Opção Fundamental como auto determinação global que envolve o sujeito em sua totalidade. A Opção Fundamental se apresenta mais como entidade prefixada e atemática, o que não reduz sua incisividade. A teologia moral tradicional, especialmente o ramo tomista, dispensou conveniente atenção à decisão básica para o último fim. Hoje, o tema tradicional da escolha do último fim tem de ser abordado levando em consideração os estudos e os pontos de vistas psicológicos.[2]
O conceito de Opção Fundamental foi depois completado pelo teologúmeno de opção final (P. Glorieux; L. Boros),[3] segundo o qual o homem realiza a opção definitiva e decisiva de sua salvação no instante da morte. As opções particulares que fez durante todo o tempo de sua história predeterminam, embora não de modo automático, seu resultado definitivo. Próximo do conceito, está o de intenção básica, a qual significa mais do que apenas uma piedosa intenção relativa a certas obras. Uma intenção com a dinâmica de impregnar plenamente a orientação e a qualidade de todas as decisões e ações livres da pessoa.

Apreciação Filosófica
A ética filosófica tem contribuido para uma copmpreensão mais articulada da Opção Fundamental no campo da teologia moral. Seria preciso, antes de mais, empregar o termo predecisão. Como dissemos a cima, o termo remete à filosofia hermenêutica, e é o correlato existencial da précompreensão, encarada como relação directamente vivida do conhecimento em busca de seu objecto apropriado. Segue-se daí toda decisão particular para ser adequadamente compreendida e avaliada, deve referir-se à matriz de sua pré-decisão. Ela assinala a orientação da liberdade para o bem, orientação que é a condição de possibilidade para a eleição dos bens particulares que cada um faz. O sujeito se aproxima das várias situações que deve enfrentar em virtude da dinâmica inerente à sua pré-decisão.
O resultado da eleição particular está prédeterminado embora não de modo automático pela pré-decisão. O homem não propõe actos particulares que se sucedem por justaposição; ao invés a pluralidade dos actos é que está marcada pelo princípio unificador, que reside na pré-decisão. Na história do sujeito moral particular a Opção Fundamental concide com a eleição do bem como tal (J. Maritain);[4] cada um dos seus actos particulares subsequentes é a confirmação e ratificação do começo estabelecido de uma vez por todas. A dinámica da práxis moral tem sua origem nesta eleição inicial. 


Visão antropológica
Opcção Fundamental representa a orientação ou direição de toda a vida para o fim último. O homem tem uma capacidade de decisão nuclear que se vai desenvolvendo na singularidade dos diversos comportamentos. Embora não se comprometa totalmente num acto singularizado, a Opção Fundamental vai incarnando nas decisões particulares; modifica-se até pode ser substituida ao longo da existência pessoal.[5]
A verdade moral coexiste com uma visão perfeitamente determinada do homem, posto que a Opção Fundamental nasce do centro da pessoa, fundamenta e garante uma forte continuidade e consistência dinámica. Em compensação, as opções particulares ficam na periferia e se caracterizam por uma menor profundidade. O homem se identifica com elas de modo parcial e condicionado, o que se reflecte no compromisso subjectivo correspondente. A Opção Fundamental assinala uma orientação básica, ao passo que as opções da periferia permanecem sujeitas à índole mutável da temporalidade. Ela está presente e operante em nível de motivações, porque a ela compete activar o significado profundo dos valores morais. As particulares brotam daí sob o aspecto de sua bondade.
A Opção Fundamental na realidade da opção cristã.
Nesta perspectiva a Opção Fundamental pode ser identificada com a caridade. Enquanto decisão central do cristão, ela é orientação radical para Deus. Essa orietntação é a decisão de viver em relação de amizade com Deus, em caridade. Encontramos no Novo Testamento expressões para indicar o significado da Opção Fundamental cristã tais como: identificar-se com o agir de Cristo (Jo 12,24) e; fazendo a escolha radical e totalizadora entre “Deus” e o “dinheiro” e, por fim, a espressão “vendendo tudo”, desde que se possa conseguir a pérola preciosa ou tesouro escondido.[6]
OPÇÃO FUNDAMENTAL E TEOLOGIA MORAL
A Opção Fundamental representa o núcleo decisional-operante da identidade dinâmica do sujeito. Por meio dela o sujeito moral se auto-determina para o bem moral; tende para as metas que têm de ser criadas por seu projecto de vida. Em consequência disto, vem a construir-se no sujeito uma consistência fundamental que se mantém firme diante das várias eleições particulares, enquanto se colocam no contexto de situações não raramente imprevisíveis. A Opção Fundamental além de estar presente e operante nas eleições particulares e lhes comunicar um nexo unificador e existencial, reveste-se do carácter de realidade doptada de intensidade, que depois se desdobra em nível extensivo, ou seja, espaço temporal.
A relação entre a Opção Fundamental e opções particulares se apresenta como participação por analogia. As opções particulares participam da opção fundanmental de maneira analógica, sem jamais esgotar sua plena potencialidade. Não estão uma junto à outra; mas, ao contrário, se distinguem por sua gradação intrinseca. Justamente sob este aspecto é que se introduz a distinção entre actos centrais e actos periféricos. Trata-se de uma  distinção de graus, ou seja, indica os diversos graus do compromisso autodeterminativo.
Sendo Opção Fundamental a fonte e matriz de cada uma das opções, a ela compete assinalar a condição existencial em que vem a encontrar-se a liberdade do sujeito. Ela não deve ser concebida como entidade estática, que permaneceria invariável durante todo  o tempo de cada uma das história pessoais, pelo contrário, está sujeita a um processo de amadurecimento contínuo, que deve ser desenvolvido pelas motivações e intenções dominantes de cada agente.
O sujeito moral avança e cresce mediante uma penetração compreensiva do significado pleno do próprio projecto de vida. A Opção Fundamental assume também significados derivados. Antes de tudo, pode-se entender como eleição preferencial de valores morais bem determinados. Outra acepção é ditada pelo princípio de economia das forças de que se despõe. Faz-se uma escolha preferencial para não despersar-se e para garantir um máximo de eficácia ao próprio projecto de vida.
Conclusão
O homem compreende, interpreta e ordena a variação das vicissitudes temporais, imprimindo-lhes um projecto. Assim se manifesta dono de sua própria história. A Opção Fundamental abre o caminho para si e, sob sua direcção, o tempo se converte em história. Como caminho da vida moral, pela Opção Fundamental a pessoa exprime nuclearmente o dinamísmo ético da sua vida enquanto sujeito responsável. Portanto, a Opção Fundamental é  a decisão pela qual o homem determina livre e radicalmente a sua relação em ordem ao último fim. Esta decisão e disposição de si próprio costumam ser feitas de maneira implicativa (consciente e livre) nos comportamentos singularizados.
Segundo Bernhard Haering, a pessoa, homem ou mulher, deve considerar toda a sua vida como auto-expressão para o bem ou para o mal, em última análise, como resposta existencial à auto-revelação de Deus que, em Jesus Cristo, revela e dá-se a si mesmo a nós.[7] As grandes decisões da vida estão em sintonia com a opção fundamental, se atingem aquela profundindade na qual a pessoa está ciente de que sua decisão entende dispor da sua vida com dinâmica de carácter definitivo, por uma disposição de si definitiva.  A Opção Fundamental é para o bem e para Deus, quando a pessoa faz a verdade no amor de modo que ela exprima e traduza firmememte sua verdade de vida, enfrentando a responsabilidade dela.
Bibliografia
AA.VV., Dicionario de teologia moral,  Paulus, São Paulo, 1997.
AA.VV., Enciclopédia luso brasileira de cultura  nº 21, Verbo, São Paulo, 2001.
HAERING  Bernhard,  Teologia Moral para o Terceiro Milénio, Paulinas, São Paulo, 1991.
------------------------, Livres e Fiéis em Cristo – Teologia moral para Sacerdotes e Leigos, Paulinas, São Paulo, 1979.
VIDAL  Marciano, Dicionario de moral, Perpétuo Socorro, Porto, s/ano.



[1] Freitas M, C, «opção» in Enciclopédia luso brasileira de cultura  nº 21, Verbo, São Paulo, 2001, p.794.
[2] Haering B., Livres e Fiéis em Cristo – Teologia moral para sacerdotes e leigos, Paulinas, São Paulo, 1979, p.156.
[3]Demmer K., «Opção Fundamental», in Dicionario de teologia moral,  Paulus, São Paulo, p. 873.
[4] Ibdem, p. 873.
[5]Vidal M., Dicionario de moral, Perpétuo Socorro, Porto, s/ano, p.461.
[6] Ibdem , p. 462.
[7] Haering B., Teologia Moral para o Terceiro Milénio, Paulinas, São Paulo, 1991, p. 50.



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