terça-feira, 23 de abril de 2013


A LITURGIA DO CONCÍLIO VATICANO II

Significado Teológico, Litúrgico e Pastoral
 
A história da Liturgia é, pois muito complexa. Não pode ser estudada sem ter em conta todos os elementos que para ela contribuíram. Especialmente o conhecimento dos ritos orientais é indispensável para se fazer uma ideia de conjunto e para discernir o que é essencial e o que é secundário. Se as diversas liturgias diferem na forma uma das outras, todas testemunham, contudo, as mesmas verdades essenciais e os mesmos mistérios de salvação. Esta variedade demonstra a riqueza do cristianismo, jamais esgotada pela diversidade de expressão encontrada ao longo da história. Mas, vamos ao que nos interessa.

Do Concílio De Trento Ao Concílio Vaticano II

Do ponto de vista da evolução da liturgia latina, os quatro séculos que decorreram entre o concílio de Trento e o Vaticano II podem dividir-se em três períodos: no começo e no fim, um meio século de intenso reflorescimento (1562-1614 e 1903-1962) que separaram três séculos de estabilidade, durante os quais os problemas litúrgicos passam a plano secundário na vida da Igreja.[1] Com a promulgação da constituição De Sacra Liturgia pelos padres do Concílio Vaticano II (4 de Dezembro de 1963) abriu-se uma nova era na história da liturgia.

LITURGIA DO CONCÍLIO VATICANO II

A Constituição do Concílio Vaticano II sobre a liturgia situou-se na mesma linha do documento de Pio XII, ultrapassando-o amplamente em muitos pontos, sobretudo na íntima vinculação estabelecida entre o culto divino e a santificação dos homens e na importância concedida aos ritos litúrgicos como sinais eficazes: «Com razão se considera a liturgia como o exercício do sacerdócio de Jesus Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação do homem; e assim, o corpo místico de Jesus Cristo, isto é, a cabeça e os membros, presta a Deus o culto público integral» (SC 7).

Sentido Teológico.

Diferentemente dos Padres de Trento, os do Concílio Vaticano II expuseram explicitamente uma Teologia da Liturgia. A Constituição apresenta o Mistério Pascal de Cristo, ao «qual foram prelúdio as grandes obras divinas no povo do Velho Testamento»,[2] como a fonte e o centro do culto prestado a Deus pelo Corpo Místico de Jesus Cristo. Nascida da morte e da ressurreição do Senhor, a Igreja tem por missão anunciar aos homens que eles foram salvos no sangue de Cristo, enxertá-los pelo baptismo no mistério pascal de Cristo e renovar a refeição sacrifical do Senhor «até que ele venha», antecipando na assembleia litúrgica da terra o ajuntamento dos homens na nova Jerusalém. (SC 5-6). 

Sentido Litúrgico

Os padres do Trento tinham em vista só a correcção do Missal e do Breviário em uso na Igreja romana desde os séculos XII-XIII; por isso é que nós temos substancialmente no Missal e no Breviário de S. Pio V, o Missal de Inocêncio III e o Breviário Franciscano de 1223. Se a Constituição do Concílio Vaticano II exige «que se mantenha a sã tradição» (SC 23) na restauração da liturgia, quer também «que seja aberto o caminho ao progresso legítimo» (ibid.), a fim de «adaptar os ritos à capacidade dos fiéis» (SC 34), «à diversidade das assembleias, das regiões, dos povos» (SC 38) e de «apresentar aos fieis mais rica a mesa da palavra de Deus» (SC 51). A reforma concerne não somente o Missal e o Breviário, mas todos os livros litúrgicos (SC 25), o canto sagrado, o arranjo dos lugares do culto (SC 112) e, sobretudo, o modo de participação dos fiéis na liturgia, «a participação plena e activa de todo o povo na celebração» a constituir o objectivo essencial da restauração litúrgica (SC 14).
Sentido Pastoral

O concílio Vaticano II afirmou-se como o concílio da colegialidade episcopal (do papa e dos bispos) na sua legislação litúrgica, antes mesmo de ser promulgada a Constituição dogmática da Igreja. Desta maneira confere poderes importantes em matéria de liturgia «às diferentes assembleias de bispos legitimamente constituídas, competentes num dado território» (SC 22), especialmente no respeitante às adaptações necessárias, «sobretudo para a administração dos sacramentos, sacramentais, procissões, língua litúrgica, música sagrada e artes» (SC 39).

SINOPSE

Eis a definição de Liturgia que tem em conta todos os contributos do Corpo Místico: «O conjunto de acções rituais e simbólicas, através das quais a obra sacerdotal de Cristo, de louvor a Deus e de Santificação dos homens, realizada de uma vez para sempre no Seu mistério pascal, continua na Igreja até a consumação escatológica».[3] Esta visão tem uma série de vantagens teológicas e pastorais, pois com ela se supera a noção meramente racional de culto religioso, ao sublinhar que, na liturgia cristã, não só se tributa culto a Deus, mas também se realiza a santificação dos homens, e se ultrapassa também a ideia da liturgia como culto social, ao insistir em que o aspecto principal do culto litúrgico não é social, mas “pessoal” de Cristo. Neste sentido, pode-se dizer que a liturgia é menos acção da Igreja para Deus e mais acção de Cristo para a Igreja, e pode-se afirmar igualmente que a Igreja se constitui pela liturgia, sendo esta a explicação da sua natureza essencialmente cultual e santificadora.

Evidentemente, a concepção que apresentamos da liturgia afasta-se muito da visão meramente “estética”, já que, se os ritos externos e sensíveis têm grande importância na liturgia, não a têm como elementos decorativos e só  de alcance pedagógico, mas como consequência na natureza sacramental da Igreja, enquanto prolongamento vivo da própria obra de Cristo, que se realizou visivelmente através de uma humanidade concreta, sacramento do Pai. e afasta-se também da visão “jurídica”, dado que um acto não é litúrgico por ser imperado pela hierarquia, mas porque contém a presença do culto e da santificação operada por Cristo.
A intervenção da hierarquia é necessária para poder discernir, entre as diversas actividades da Igreja, até as de tipo religioso cultual, aquelas que, certamente, contêm a presença privilegiada de Cristo; porém, tal intervenção não é a causa última do carácter litúrgico das referidas acções, mas unicamente a condição do seu discernimento. Noutra perspectiva, podemos afirmar que os actos litúrgicos devem submeter-se a determinadas leis que não são tanto disposições normativas de tipo meramente jurídico, quanto exigências iniludíveis, derivadas da própria maneira de ser do culto litúrgico eclesia
Quanto ao lugar que a liturgia ocupa no conjunto da acção pastoral da Igreja, o Concílio Vaticano II traçou uma linhas suficientemente orientadoras, ao afirmar, por um lado, que a «sagrada liturgia não esgota toda a actividade da Igreja» (SC 9), e, por outro, que «a liturgia é o cume a que tende toda a actividade da Igreja, e, ao mesmo tempo, fonte donde dimana toda a sua força.
Ora, os trabalhos apostólicos ordenam-se a que, uma vez feitos filhos de Deus pela fé e pelo baptismo, todos se reúnam, louvem a Deus na Igreja, participem no sacrifício e comam a ceia do Senhor». Sem esquecer, em nenhum momento, a primazia absoluta da caridade: «a própria liturgia impele os fiéis a que, “saciados com os sacramentos pascais”, sejam “concordes na piedade”; roga a Deus que “conservem na sua vida o que receberam na fé”, e a renovação da aliança do Senhor com os homens na eucaristia acende e arrasta os fiéis  para uma urgente caridade de Cristo». (SC 10).

 

 

BIBLIOGRAFIA

DICIONÁRIO DE PASTORAL Nº 4, Ed. Perpétuo Socorro, Porto, 1990.

MARTIMORT A. G.,  A Igreja e Oração – Introdução à Liturgia, Ed. Ora et Labora, Portugal, 1965.

CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II – Documentos Conciliares e Pontifícios, Ed. A.O, Braga, 1987.

 

 

 

 

 

 

 



[1] P. JOUNEL In  A Igreja e Oração – Introdução à Liturgia, Ed. Ora et Labora, Portugal, 1965, pag. 50
[2] A. G. MARTIMORT, A Igreja e Oração – Introdução à Liturgia, Ed. Ora et Labora, Portugal, 1965, Pag 60.
[3] J. LOPIS, In Dicionário de Pastoral nº 4, (sub. Art. Liturgia), Ed. Perpétuo Socorro, Porto, 1990, pag. 314.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

HANS KÜNG (1928-)



Hans Küng é um importante teologo católico crítico da infalibilidade papal e da doutrina papal com relação ao celibato,ordenação de mulheres e ecumenismo. Hans Küng nasceu em 19 de Março de 1928 em Sursee no cantão de Lucerna na Suiça, entrou para vida religiosa estudando na Universidade Gregoriana em Roma e Paris, foi ordenado padre católico-romano em 1954 e em 1957 concluiu seu doutoramento em teologia com a tese Justification, em que trata da questão da justificação da fé. Se tornou professor de teologia da Universidade de Tübigen (1960 - 1996) na Alemanha, onde também a partir de 1963 dirigiu o Instituto de Pesquisa Ecumênica. Teve papel fundamental no Concílio Vaticano II sendo nomeado peritus (consultor teológico) pelo Papa João XXIII e ajudou na redação das conclusões do concílio que renovou áreas fundamentais do ensino e das práticas católicas.

Desde os anos da década de 1960 Küng foi um dos críticos mais severos da Infalibilidade Papal, publicou em 18 de janeiro de 1970, centenário da declaração da infalibilidade papal no Concílio Vaticano I, o livro Infallible? An Inquiry em que esmiuçou e rejeitou o caráter infalível de qualquer decisão papal e da cúria. Em 1979 publicou nos principais jornais do mundo seu artigo Um ano de João Paulo II que demonstrou o reacionarismo do papa ao aceitar só nominalmente o Concílio Vaticano II, quando na substancia fortaleceu a centralização curial, impôs o culto a personalidade, endossou a exclusão das mulheres do sacerdócio e a permanência do celibato; como conseqüência desse artigo e sua críticas a infalibilidade, teve sua licença para lecionar como teologo católica cassada pelo Papa João Paulo II.

Depois da proibição foi nomeado professor de teologia ecumênica de Tübigen onde pode desenvolver seus estudos sobre ecumenismo em particular com relação ao Luteranismo; nesta tarefa Küng se sente totalmente à vontade já que se dedica prioritariamente à união dos povos, das raças, das religiões, enfatizando o que há de comum entre eles, relativizando o que os separa. Em sua tese de doutorado , Justificação em 1957 já tinha chegado a conclusão da possibilidade de um acordo teológico entre catolicismo e luteranismo que foi efetivamente realizado em 1999.

Küng se aposentou como professor em 1996 e logo a seguir foi eleito presidente da Fundação Ética Global de Tübigen.

Considerado como o teólogo mais polêmico e problemático de hoje, seus 70 anos apresentam, em retrospectiva, um panorama esplêndido de atividade acadêmica, científica e literária como muito poucos podem oferecer. Seu pensamento destina-se a esclarecer o genuinamente cristão e católico, desmascarando, sem medo, tudo o que de espúrio e corrupto se introduziu no cristianismo ao longo de sua história de séculos. O viver e o acontecer da Igreja é seu campo de pesquisa e sua luta, que o levaram a enfrentamentos, acareações e condenações da Igreja oficial.

Alguém disse que o seu trabalho científico e teológico reproduz na Igreja de Roma o que século e meio realizara Newman na Igreja da Inglaterra: procurar razões e fundamentos para a sua fé católica. Desde a tese doutoral, Justificação. A doutrina de Karl Barth e uma reflexão católica (1957), passando pelo trabalho como conselheiro no Vaticano II, até a última obra Projeto de ética global (1990), toda a sua produção é uma pesquisa do cristão em todos os seus planos e dimensões. Assim devemos ler os seus livros: Existe Deus?; Ser cristão; Infalível?. Todos eles suscitaram polêmica e o colocaram contra a parede. Negaram-lhe o título de teólogo e até o de cristão. Muitos se perguntaram: Küng é verdadeiramente católico? Por que continua sendo católico? Ele mesmo se fez esta pergunta e lhe responde da seguinte forma: “A resposta, tanto para mim, quanto para muitos outros, é que não quero deixar que me arrebatem algo que faz parte de minha vida. Nasci no seio da Igreja Católica: incorporado pelo Batismo à imensa comunidade de todos os que acreditam em Jesus Cristo, vinculado por nascimento a uma família católica que amo entranhadamente, a uma comunidade católica da Suíça à qual volto com prazer em qualquer oportunidade; em uma palavra, nasci num solar católico que não gostaria de perder nem abandonar, e isto como teólogo...”.

“Desde muito jovem conheço Roma e o papado mais a fundo do que muitos teólogos católicos, e não guardo, apesar do que se tem dito contra, nenhum afeto anti-romano. Quantas vezes ainda terei de falar e de escrever que não estou contra o papado nem contra o papa atual, mas que sempre tenho defendido, ante os de dentro e frente aos de fora, um ministério de Pedro purificado de traços absolutistas, de acordo com os dados bíblicos! Sempre me pronunciei a favor de um autêntico primado pastoral no sentido da responsabilidade espiritual, direção interna e solicitude ativa pelo bem da Igreja universal... Um primado não de domínio, mas de serviço abnegado...

“Desde muito jovem vivi a universalidade da Igreja Católica e nela pude aprender e receber muitas coisas de inumeráveis homens e amigos de todo o mundo. Desde então resulta-me mais claro que a Igreja Católica não se identifique mais com a hierarquia nem com a burocracia romana...

“Por que, então, continuo sendo católico? Não apenas em razão de minhas raízes católicas, mas também em razão dessa tarefa que para mim é a grande oportunidade de minha vida e que somente posso realizar plenamente, sendo teólogo católico no marco de minha faculdade teológica. Mas isso nos leva a outra pergunta: Que significa propriamente o católico, isso que me impulsiona a continuar sendo teólogo católico?

“Segundo a etimologia do termo e da antiga tradição, é teólogo católico quem, ao fazer teologia, sabe-se vinculado à Igreja Católica, isto é, universal, total. E isto em duas dimensões: temporal e espacial... Nesse duplo sentido, quero continuar teólogo católico e expor a verdade da fé católica com uma profundidade e abertura igualmente católicas. Neste sentido podem ser também católicos certos teólogos que se chamam protestantes ou evangélicos, coisa que acontece de fato e, particularmente, em Tubinga. Isso deveria constituir um motivo de alegria para a Igreja oficial...

“Essa aceitação da catolicidade no tempo e no espaço, na profundidade e na abertura, significa que é preciso aprovar tudo o que as instâncias oficiais ensinaram, prescreveram e observaram ao longo do século XX?... Não, não é possível que se refira a uma concepção tão totalitária da verdade... De tudo se depreende que ser católico não pode significar aceitar e suportar tudo submissamente com uma falsa humildade em aras de uma pressuposta ‘plenitude’, ‘totalidade’ e ‘integridade’. Isso constituiria uma má complexio oppositorum, um trágico amálgama de contradições, de verdade e erro...

“Em todo caso, a catolicidade deve ser entendida sempre com um sentido crítico fundamentado no Evangelho... A catolicidade é dom e tarefa, indicativo e imperativo, enraizamento e futuro. Nesta tensão quero continuar fazendo teologia e continuar expondo a mensagem de Jesus aos homens de hoje com a mesma resolução que até agora, disposto a aprender e retificar sempre que se trate de um diálogo amistoso e fraterno...”.

Atualmente Hans Küng mantém boas relações com a igreja. Hans Küng é uma das figuras mais dignas de nota da teologia contemporânea. Dedica-se ao estudo das grandes religiões, sendo autor de obras conceituadas em todo o mundo.

Obras de Hans Küng em português:

- Uma ética mundial e responsabilidades globais
- A Igreja Católica
- Por que ainda ser Cristão hoje?
- Religiões do mundo em busca dos pontos comuns
- Teologia a caminho
- Religiões do Mundo
- Projeto de ética mundial

PENSAMENTOS DE HANS KÜNG

"Não haverá paz entre as nações, se não existir paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões, se não existir diálogo entre as religiões. Não haverá diálogo entre as religiões, se não existirem padrões éticos globais. Nosso planeta não irá sobreviver, se não houver um etos global, uma ética para o mundo inteiro".

"A religião pode fundamentar de maneira inequivocável porque a moral, as normas e os valores éticos devem vincular incondicionalmente (e não apenas quando é cômodo) e, portanto, universalmente (para todas as linhagens, classes e raças). O humano émantido exatamente porque é concebido como fundadono divino. Tornou-se claro que somente o incondicionado pode obrigar de maneira absoluta, somente o Absoluto pode vincular de maneira absoluta"

"Não é o consumo de luxo que decide a longo prazo sobre a qualidade de uma situação econômica, mas sim uma melhor infra-estrutura, uma maior segurança, um mundo ambiente intacto, e (...) os trabalhadores com melhor formação, nos quais é preciso investir".

"Devemos avançar de uma ciência eticamente livre, para outra eticamente responsável; de uma tecnocracia que domina o homem, para uma tecnologia que esteja a serviço do próprio homem;... de uma democracia jurídico formal a uma democracia real, que concilie liberdade e justiça".

“Se hoje uma exegese a-histórica já está totalmente superada, também o está uma teologia
dogmática a-histórica. E se a Bíblia precisa ser interpretada de forma mais histórico-crítica, então com muito mais razão também o dogma pós-bíblico. Uma teologia que, em vez de questionar criticamente os ‘dados’, permanece aberta ou veladamente autoritária, não poderá responder às exigências científicas do futuro".
 
Fonte: http://teologia-contemporanea.blogspot.com/2008/02/hans-kng-1928.html

KARL BARTH (1886-1969)



Karl Barth foi um dos maiores pensadores protestantes do século XX. Karl Barth nasceu em Basel, Suíça, no dia 10 de maio de 1886. Barth foi um teólogo de confissão calvinista. Filho de pais religiosos, foi educado em meio a pastores conservadores. Suas influências acadêmicas foram Kant, Hegel, Kierkegaard e teólogos como Calvino, Baur, Harnack e Hermann. Até 1911, ainda jovem, esteve Karl Barth vinculado ao protestantismo liberal antidogmático e modernista de Adolf von Harnack (1851-1930), invertendo a seguir sua posição. Em 1911 começou a pastorear uma pequena igreja do interior da Suíça e aí ficou até 1925. Durante esses anos conheceu Eduard Thuneysen, amigo que acompanhou e contribuiu em suas reflexões teológicas. Nessa época seu grande desafio era o que pregar a cada domingo. Em 1914, ele e Thuneysen resolveram buscar uma resposta ao desafio da pregação. Durante quatro anos, Thuneysen estudou Schleiermacher e Barth estudou Paulo. Como fruto desses estudos, em 1919, Barth publicou seu Comentário à Epístola aos Romanos.

Estudou em Berna, Berlim, Tuebingen, Marburgo. Algum tempo pastor em Genebra e em Safenwil. A partir de 1921 passou a ensinar teologia na universidade alemã de Goettingen; em 1925, na de Muenster; em 1930, na de Bonn. Em 1935, por sua atitude anti-nazista, foi obrigado por Hitler a refugiar-se em Basiléia, de cuja universidade foi professor, onde lecionou até 1961. Na Alemanha, deu ainda, na qualidade de professor estrangeiro, lições em Bonn, em 1946 e 1947.

Karl Barth faz parte da chamada “teologia dialética” ou “da crise”, junto a J. Moltmann, E. Brunner, R. Bultmann, F. Gogarten e outros. Barth deu nome a um movimento: o barthismo, que propõe uma total e coerente adesão à Palavra de Deus, equivalente ao objetivismo da revelação bíblica e ao fato histórico da encarnação, contra o imanentismo da cultura moderna geral e em particular do “protestantismo liberal”. Procurou renovar a teologia desvinculando-a da tradição fideísta de Schleiermacher (1768-1834), para recolocá-la na reforma do século 16. A teologia de Barth é uma reação frente a Schleiermacher e, em geral, contra a cultura do Romantismo e do Iluminismo.Barth rejeitou a analogia entre Deus e a criatura, para destacar a transcendência divina, advertindo que somente é válida a via negativa de acesso a Deus, de acordo com a expressão de Kierkegaard sobre a infinita diferença qualitativa entre o tempo e a eternidade.

Com o destaque da transcendência divina abriu largo espaço entre Deus e o homem. Abandonado o homem existencialmente a si mesmo, não tendo senão a fé como caminho para o alto. Cristo é o intermediário, como se diz na Epístola aos Romanos, e comentada por Barth. A teologia de Barth recebe muitos nomes: teologia da crise, teologia dialética, teologia kerigmática,teologia da Palavra.

Participou, como observador, do Concílio Vaticano II. A doutrina de Barth está presente em seus numerosos discípulos e em sua extensa e valiosa obra escrita. Destacamos seu monumental Die Kirchliche Dogmatik (10 vols., 1955) e o Comentario à epístola aos Romanos (1919); Humanismus (1950), e outras.

Karl Barth faleceu em dezembro de 1969.

Podemos sintetizar sua teologia nos seguintes pontos:

1) Barth destaca a absoluta transcendência de Deus. Deus é o único positivo, o ser. O homem, no entanto, da mesma forma que o mundo, é a negação, o não ser. Justamente por não ser nada, o homem não tem a possibilidade de autoredenção; nem ao menos de conhecer Deus, mas somente de saber que não o conhece.

2) A iniciativa vem de Deus, que irrompe no mundo do homem através de sua revelação e palavra. A teologia de Barth é, por isso, a teologia da palavra. A revelação de Deus é o objeto da teologia. Barth centra toda a sua atenção na revelação e palavra de Deus na Bíblia.

3) Barth vê a revelação de Deus na Bíblia como algo dinâmico, não estático. A palavra de Deus, diz Barth, não é um objeto que nós controlamos como se fosse um corpo morto que podemos analisar e dissecar. Na realidade é como um sujeito que nos controla e atua sobre nós. E essa Palavra é capaz de nos fazer reagir de um jeito ou de outro.

4) A Palavra de Deus é o acontecimento mediante o qual Deus fala e se revela ao homem através de Jesus Cristo. E como isto se torna realidade? A Bíblia, Palavra escrita de Deus, é a testemunha do acontecimento da Revelação de Deus. O Antigo e o Novo Testamento colocam Jesus Cristo como o “Cordeiro de Deus”, anunciado por João Batista. Por isso, sem dúvida, desde seus primeiros anos como pastor, Barth teve sobre sua mesa a pintura de Grünewald em que João Batista mostra Jesus Cristo crucificado.

5) Hoje, através da Palavra proclamada, a Igreja é testemunha da Palavra revelada. Sua proclamação baseia-se na palavra escrita, a Bíblia. Deus serve-se desta palavra proclamada e escrita, e se transforma em palavra revelada de Deus, quando ele quer falar-nos através dela.

A ênfase da teologia de Barth está na revelação de Deus em Jesus Cristo. A única palavra de Deus está em Jesus Cristo. Toda relação de Deus com o homem se dá em Cristo e através de Cristo. Em sua forma negativa, isto significa a exclusão da teologia natural. Positivamente, tudo deve ser visto e interpretado a partir de Cristo ou, empregando a expressão barthiana, a partir da “concentração cristológica”. O pecado original não pode ser entendido independentemente de Cristo. A fé também não é fruto de um raciocínio nem está fundamentada em um sentimento subjetivo. “Em Jesus Cristo não há separação do homem de Deus, nem de Deus do homem.”

Barth prega que “a mensagem da graça de Deus é mais urgente que a mensagem da Lei de Deus, de sua ira, de sua acusação e de seu juízo”. A teologia de Barth exerceu e continua exercendo uma influência decisiva na constante procura da palavra autêntica e verdadeira de Deus. Sua condição de “crente” que não invoca nenhum mérito diante de Deus é o melhor estímulo para os cristãos de todos os tempos.

Produziu obra volumosa, ainda que sob poucos títulos:- Comentário à epístola aos romanos (1919);- O cristão na sociedade (1920);- A ressurreição dos mortos (1924);- A palavra de Deus e a teologia (1925);- A dogmática cristã (26 vols, 1932-1969);- A teologia protestante no século 19 (1947).

PENSAMENTOS DE KARL BARTH

“Devemos falar de Deus. Somos, porém, humanos e como tais não podemos falar de Deus. Devemos saber ambos, nosso dever e nosso não-poder, e justamente assim dar glória a Deus”

"Que o Pai ama o Filho e que o Filho é obediente ao Pai, que Deus se entrega ao homem neste amor e, nesta obediência, assume a baixeza do homem para elevá-la à sua altura, que o homem se torna livre neste acontecimento, pelo fato de escolher por sua vez a Deus que o elegeu, eis em absoluto uma história que não pode, como tal, ser interpretada por equívoco como uma causa imóvel que produz efeitos quaisquer"

"É preciso segurar numa mão a Bíblia e na outra o jornal".

"Tudo o que digo de Deus é um homem quem o diz".

"Se se nega a Trindade temos um Deus sem beleza".

"Igreja existe ali onde a pessoa humana presta ouvidos a Deus"

"O culto constitui a ação mais momentosa, mais urgente e mais gloriosa que pode acontecer na vida humana".

"Que Deus enquanto Deus seja capaz de tal condescendência, de tal rebaixamento de si mesmo, que esteja disposto e pronto para isto: eis aí - o que muitas vezes se desconhece neste caráter concreto - o mistério da 'divindade de Cristo'"

"Precisa morrer em Cristo o homem que escolhe para si o materialismo, lendas e fábulas ou a transitoriedade do mundo; o homem que se esquece que nada tem que não tivesse recebido e precisasse receber novamente de Deus; o homem que quer safar-se do paradoxo da fé; o homem que já não quer, ou que ainda não quer, abrir mão de sua confiança na sabedoria, na ciência, nas coisas certas e palpáveis do mundo, e do conforto que este oferece, para depender exclusivamente da graça de Deus. Precisa morrer em Cristo o homem que tenha qualquer outro pretexto para se apoiar, que não seja 'esperança'."

"Justamente de Jesus Cristo, não sabemos nada de tão certo quanto isto: em uma livre obediência a seu Pai, escolheu ser homem e, como tal, fazer a vontade de Deus"

"Eis, portanto, qual é a realidade de Jesus Cristo: Deus mesmo em pessoa está presente e age na carne. Deus mesmo em pessoa é o sujeito de um ser e de um agir realmente humanos. E é justamente assim, e não de outra forma, que este ser e este agir são reais. É um ser e um agir autêntica e verdadeiramente humanos... Sua humanidade (de Jesus) não é senão o atributo da sua divindade, ou antes, em termos concretos: ela não é senão o atributo, assumido no decurso de um rebaixamento incompreensível, da Palavra que age em nós e que é o Senhor".

"Como filho do homem e portanto como ser humano, Jesus Cristo só existe pela ação de Deus: pelo fato de ser primeiramente o Filho de Deus... Mas a humanidade de Jesus, em si e como tal, seria um atributo sem sujeito".
Fonte: http://teologia-contemporanea.blogspot.com/2008/02/karl-barth-1886-1969.html
 

KARL RAHNER (1904-1985)



Um dos maiores teólogos católicos do século XX, Karl Rahner nasceu em Freiburg, na Alemanha, em 1904. Foi sacerdote jesuíta, ordenado em 1932. O teólogo Karl Rahner, foi um dos mais importantes e criativos teólogos da tradição católica no século XX, teve um papel fundamental no incentivo à abertura da igreja católica-romana às diversas tradições religiosas.

Foi um dos principais assessores teológicos do Concílio Vaticano II. Em 1965 fundou a «Concilium», revista internacional de Teologia, com a colaboração de Yves Congar e Edward Schillebeeckx. Foi um pensador que influenciou muitos teólogos. Segundo muitos teólogos "todos bebemos em Rahner". O pensamento teológico na atualidade "é devedor, mas em profundidade, à reflexão deste alemão". O projeto de auto-comunicação de Deus; a relação da Antropologia com a Cristologia e a Igreja e o espírito são pontos essenciais da reflexão de Karl Rahner. Rahner estudou na universidade de Freiburg e acompanhou os cursos de Martin Heidegger, uma das influências decisivas na sua formação (outras influências importantes seriam Kant e o jesuita belga Joseph Maréchal).Karl Rahner passou a maior parte da sua vida ensinando teologia sistemática em cidades como Innsbruck e Munique. Deixou uma obra vastíssima, que inclui as "Investigações Teológicas", em 14 volumes. Karl Rahner faleceu em 1985.

Karl Rahner foi profundamente ligado à renovação da teologia católica e da Igreja. Desde 1948 foi professor de teologia dogmática em Innsbruck. Posteriormente lecionou também teologia nas Universidades de Munique e Münster. A partir de 1964, e durante três anos, participou dos trabalhos da comissão teológica do Vaticano ll, dando ao mesmo tempo cursos sobre a concepção cristã do mundo na Faculdade de Filosofia de Münster, onde sucedeu Romano Guardini. A aposentadoria de Rahner, em 1971, não interrompeu sua atividade científica e pastoral, já que continua sendo membro ativo do Sínodo Nacional da Alemanha.

Sua obra insere-se na corrente filosófica alemã de Heidegger, de quem foi discípulo, e nutrese do pensamento teológico alemão tanto católico quanto protestante. É uma teologia aberta e profundamente tradicional, mas fortalecida com um novo alento de vida e cultura moderna. Sua numerosa produção vai de 1941 a praticamente seus últimos dias, em 1985. Cabe assinalar as seguintes obras: Ouvinte da palavra (1941); Visões e profecias (1952); Liberdade de palavra na Igreja (1953); Missão e graça (1959); Cristologia (1972); Mudança estrutural da Igreja (1973); Curso fundamental da fé (1976). Muitos de seus escritos foram coletados nos Escritos de Teologia (1954-1975) e na coleção “Quaestiones disputatae” (iniciada em 1958). Dirigiu também as obras enciclopédicas Sacramentum mundi (1969) e Manual de teologia pastoral (1971-1972).
Dessa abundante obra destacamos sua doutrina mais original, e que divulgou o que se conhece como “cristianismo anônimo”. Para ele, cristão é todo aquele que “choca com o mistério”. Quanto mais o homem se coloca questões fundamentais e se aprofunda na experiência da vida ou utiliza seus conhecimentos científicos, mais se adentra no mistério: “é o mistério que chamamos Deus”.
Pois bem, “o cristão anônimo”, tal como o entendemos, é o pagão que vive depois da vinda e pregação de Cristo, em estado de graça através da fé, da esperança e da caridade, embora não tenha conhcecimento explícito do fato de que sua vida é orientada pela graça salvadora que leva a Cristo... "Deve haver uma explicação cristã que dê conta do fato que todo indivíduo que não opera em nenhum sentido contra a sua própria consciência e diz realmente em seu coração ‘Abba’ com fé, esperança e caridade, é na realidade aos olhos de Deus um irmão para os cristãos” (Escritos de teologia).

Sua idéia, seguida hoje por muitos outros teólogos, de que existam “cristãos anônimos” sem compromisso religioso algum, é altamente sugestiva. “Cristão anônimo é aquele que aceita a si mesmo numa decisão moral”, ainda quando tal decisão não se faz de uma forma “religiosa” ou “teísta”. Justificaria o chamado “cristianismo secular” ou “cristianismo horizontal” tal como o formulou a Assembléia de Upsala (1964) e tal como o formula a Teologia da Libertação. Pode-se ser cristão sem referência a nenhum elemento religioso. E a Igreja fica como comunidade missionária sem nenhuma pretensão ou pressão social e política.

Segundo Karl Rahner, o homem é o ser "ouvinte da Palavra". Por sua dimensão espiritual, o homem está receptivo a uma possível revelação divina, que lhe explique e dê significado ao mistério da Existência e do Ser.

O homem é o único ser, que pergunta-se pelo mistério e o sentido da Existência e do Ser, e isso devido a sua dimensão espiritual: o homem é espírito. Por ser espírito, o homem está receptivo e a procura de uma explicação para o Mistério; o homem é um "ouvinte da Palavra"; ele contém um a priori cognoscitivo, que é essa abertura para uma possível revelação divina; o homem é o ser à espera da manifestação de Deus.

A revelaçao é uma auto-manifestação de Deus, é uma auto-revelação; e essa auto-comunicação de Deus responde e vem ao encontro da "abertura" ou "receptividade" humana que está à procura e à espera de uma resposta válida e coerente para suas perguntas sobre o Ser e a Vida.

Assim como Kant estabeleceu os a prioris que permitem o homem chegar ao conhecimento da ciência e do mundo; Rahner estabeleceu os a prioris que permitem ao homem chegar ao conhecimento de Deus e da teologia.

O a priori de Rahner, consiste nessa abertura e receptvividade do homem para com o Mistério. O Mundo, o Ser e a Vida são mistérios e interrogações que colocam-se diante do homem, e o homem está a espera de uma Palavra, uma Revelação, que lhe dê sentido e explicação sobre essas realidades misteriosas; por isso o homem é um "ouvinte da Palavra". O homem está à escuta da Palavra que lhe dê a resposta apaziguadora; essa Palavra é a auto-comunicação de Deus. Cristo é justamente essa auto-revelação e auto-manifestação de Deus. Em Cristo, Deus se auto-revela e se auto-comunica aos homens, dando-lhes a resposta que eles procuram e buscam.

A teologia de Rahner é chamada de "transcendental", pois parte da dimensão do mistério da Vida e do Ser. É diante do mistério da Vida e do Ser, que o homem pergunta-se pelo sentido e significado das coisas; é a partir desse mistério, que o homem está a espera de uma revelação.

Como outros teólogos, Rahner recebeu vários “monitum”. Sua teoria do cristianismo anônimo, aberto a todos e não monopolizado pela Igreja — um cristianismo disperso e arraigado em todo o mundo, um cristianismo sem fronteiras, fruto da graça de Deus oferecida acima de todas as categorias humanas — foi posta em questão. “A teologia não é um assunto privado e, submetida ao Magistério da Igreja, inclusive em sua tarefa de pesquisa, não pode esconder-se atrás de uma liberdade acadêmica” (Paulo VI, 1975). Não obstante, permanece o mais valioso de sua doutrina: o diálogo constante mantido com o homem moderno, com a sociedade e suas condições. A teologia terá de fazer o possível para não se desentender com eles.

PENSAMENTOS DE KARL RAHNER

"Maria é a concreta realização do perfeito cristão. Maria é como nós. Jesus Cristo é outrossim um como nós. Mas ele também é Deus. Maria é que é inteiramente uma entre nós. O que ela é nós devemos ser. É por isto que Maria é-nos tão familiar. É por isso que nós a amamos".

"Deus age através de Causas Segundas. É Ele a Causa Primeira que dá origem e sustenta a cadeia de todas as causas segundas que movem o mundo. Mas não é, Ele mesmo, um elemento do mundo, como se fosse apenas uma causa segunda entre as outras. Deus, em sí mesmo, não é uma engrenagem do mundo".

"A condição criada do mundo é relação absolutamente única, só ocorre uma vez. Criação e condição de criatura não indicam apenas o primeiro momento da existência de um ser temporal, mas significam, em última análise, a constituição desse ser existente e do seu tempo, constituição essa que não entra no tempo mas é o fundamento da criatura, e do próprio tempo."

"O homem deve ser entendido como a possibilidade de ser assumido por Deus, de tornar-se o material de possivel história de Deus. Deus planeja o homem de modo criador, tirando-o do nada, e o coloca em sua realidade de criatura, diferente de Deus, mas como a "gramática" de possivel auto-expressão de Deus. A humanidade de Jesus Cristo não é mera aparência de Deus. Também não é Ele um mero profeta, mas o próprio Deus. Em consequência, manifesta-se como herética qualquer idéia da encarnação que considere a humanidade de Jesus como se fosse apenas uma "roupagem" revestida por Deus, de que ele apenas se servisse para assinalar sua presença quando fala. Quem aceita inteiramente o seu ser homem, acolheu o Filho do Homem porque, neste, Deus acolheu o homem. Ao dizer a Escritura que quem ama o próximo cumpriu a Lei, trata-se aí da verdade última, uma vez que o próprio Deus tornou-se este próximo e, desta sorte, em todo o próximo, sempre é acolhido e amado aquele que é simultaneamente o mais próximo e mais longínquo: Deus. A realidade humana de Deus em Jesus Cristo permanece para sempre, eternamente..."

"A descoberta do Coração de Jesus na fé, na esperança e na caridade, é um longo e aventureiro caminho, pleno de imprevistos; uma viagem da qual não se vê o fim senão quando se acaba por entrar no seu próprio coração, para aí descobrir que esse horrível fosso está pleno do próprio Deus".

"A tarefa mais urgente de uma Cristologia de hoje consiste em formular o dogma da Igreja - 'Deus é (tornou-se) homem, e este Deus que se fez homem é o Jesus Cristo concreto' - de modo a tornar compreensível o que estas proposições significam e em excluir toda a aparência de uma mitologia que se tornou inaceitável hoje".

"O cristão do futuro, ou será místico ou não será cristão".

"Se a ressurreição de Jesus é a vigência permanente de sua pessoa e sua causa, e se esta pessoa-causa não significa a sobrevivência de um homem e de sua história, mas o triunfo de sua pretensão de ser o mediador absoluto da salvação, então a fé na sua ressurreição constitui um momento intrínseco dessa ressurreição e não a tomada de consciência de um fato que por sua natureza poderia existir exatamente o mesmo sem ser conhecido. Se a ressurreição de Jesus há de ser a vitória escatológica da graça de Deus no mundo, não é possível concebê-la sem uma fé efetiva (ainda que livre) nela, uma fé na qual culmina a própria natureza da ressurreição".
 
Fonte: http://teologia-contemporanea.blogspot.com/2008/02/karl-rahner-1904-1985.html
 

sábado, 20 de abril de 2013

LUTERO ERA DEVOTO DE NOSSA SENHORA.


A IGREJA PROTESTANTE AINDA CONTINUOU DEVOTA DE NOSSA SENHORA POR TRINTA ANOS DEPOIS DA MORTE DE LUTERO.

Lutero dizia sobre a Imaculada Conceição de Maria:
“É uma doce e piedosa crença esta que diz que a alma de Maria não possuía pecado original; esta de que, quando ela recebeu sua alma, ela também foi purificada do pecado original e adornada com os dons de Deus, recebendo de Deus uma alma pura. Assim, desde o primeiro momento de sua vida, ela estava livre de todo pecado”
Fonte: Lutero, Sermão sobre o Dia da Conceição da Mãe de Deus de 1527

Lutero considerava Maria como Mãe dos cristãos:
“Esta é a consolação e a transbordante bondade de Deus, que Maria seja sua verdadeira mãe, Cristo seu irmão, Deus seu Pai… Se acreditares assim, então estás de verdade no seio da Virgem Maria e és seu querido filho”.

Lutero, Kirchenpostille, ed. Weimar, 10.1, p. 546.

Lutero considerava Maria como Mãe de Deus:
“Por isso em uma palavra compendia-se toda a sua honra: quando se a chama mãe de Deus, ninguém pode dizer dela maior louvor. E é preciso meditar em nosso coração o que significa ser mãe de Deus”.

Lutero, Comentário ao Magnificat, de 1521, [FiM95], pg.1121.Sermão, 1522:WA 7,572

Lutero e Ulrich Zwinglio consideravam Maria sempre Virgem:
“Virgem antes, no, e depois do parto, que está grávida e dá à luz. Este artigo (da fé) é milagre divino”.
Lutero, já no fim de sua vida: [FiM95], pg.1122 Sermão Natal 1540: WA 49,182
“Ele, Cristo, nosso Salvador, era o fruto real e natural do ventre virginal de Maria … Isto aconteceu sem a participação de qualquer homem e ela permaneceu virgem mesmo depois disso”
Lutero, “Sermões sobre João”, cap. 1 a 4, 1537-39 dC
“Creio firmemente que Maria, conforme as palavras do Evangelho que afirmam que de uma Virgem nos nasceria o Filho de Deus, permaneceu sempre pura e intacta Virgem durante e depois do nascimento de seu Filho”
Ulrich Zwinglio, citado em “Corpus Reformatorum” v.1, p.424

Lutero ensinava a intercessão de Maria e dos santos:
“Ninguém nunca se esqueça de invocar a Virgem e os santos, pois eles podem interceder por nós”.
Lutero, Prep. ad mortem

Lutero venera a Virgem Maria, enaltecendo-a:
“Quem são todas as mulheres, servos, senhores, príncipes, reis, monarcas da Terra comparados com a Virgem Maria que, nascida de descendência real (descendente do rei Davi) é, além disso, Mãe de Deus, a mulher mais sublime da Terra? Ela é, na cristandade inteira, o mais nobre tesouro depois de Cristo, a quem nunca poderemos exaltar bastante (nunca poderemos exaltar o suficiente), a mais nobre imperatriz e rainha, exaltada e bendita acima de toda a nobreza, com sabedoria e santidade”.
Lutero, Comentário ao Magnificat
“Não há honra, nem beatitude, que se aproxime sequer, por sua elevação, da incomparável prerrogativa, superior a todas as outras, de ser a única pessoa humana que teve um Filho em comum com o Pai Celeste.”
Lutero, Deutsche Schriften, 14, 250
“Maria é a maior e a mais nobre jóia da Cristandade logo após Cristo… Ela é nobre, sábia e santamente personificada. Jamais conseguiremos honrá-la suficientemente.”
Lutero, Sermão do Natal de 1531

Calvino também era devoto de Maria, a Mãe de Deus:
“Não podemos reconhecer as bênçãos que nos trouxe Jesus, sem reconhecer ao mesmo tempo quão imensamente Deus honrou e enriqueceu Maria, ao escolhê-la para Mãe de Deus”.

Calvino, Comm. Sur l’Harm. Evang., 20
“Maria é digna de suprema honra na maior medida.”
Fonte: art. IX da Apologia da Confissão de fé de Augsburg Documento muito importante do Luteranismo
“Somente Deus pode permitir que Maria se dirija ao mundo, através de aparições. Cristãos Evangélicos da Alemanha, deveremos talvez continuar a opor-lhes recusa e indiferença? Temos o direito de examinar tais fatos. Seria o cúmulo da tolice ignorarmos a voz de Deus que fala ao mundo, pela mediação de Maria, e dar-lhe as costas, unicamente, porque Ele faz ouvir sua voz através da Igreja Católica (Fonte: Manifesto de Dresden 05/1982).
No seu Magnificat, Maria declara que todas as gerações a proclamarão bem-aventurada até o fim dos tempos. Todos nós verificamos que esta profecia se cumpre na Igreja Católica e, nestes tempos dolorosos, com intensidade sem precedentes. Na Igreja Evangélica, tal profecia caiu em tão grande esquecimento que dificilmente se encontra algum vestígio da mesma.”

Fonte: “Manifesto de Dresden” Maio/1982,Teólogos Luteranos Alemães.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

História de Espiritualidade


História de espiritualidade

 

A História de Espiritualidade, como matéria, vai querer demonstrar aos estudantes teólogos, em doutrinas e biografias, a vida espiritual nos seus vários aspectos ascendentes e descendente.
 

 

Plano de estudo para o 1º Ano de Teologia




OBJECTIVO DO CURSO


 

Este curso quer dar a conhecer aos candidatos ao sacerdócio, através da descrição, o caminho histórico, isto é, a acumulação de experiências espirituais vividas pela Igreja através de vinte séculos que nos separam, de Jesus de Nazaré até hoje.

A história em si faz referência do passado do homem que deixa rastos do seu ser nas memórias escritas ou cravadas nos documentos e monumentos que se convertem em fontes. A história espiritual é a vida do homem, a ciência do real. A espiritualidade indica, nesse sentido, “a vida segundo o Espirito”, o processo gradual da assimilação do homem da graça divina.

 

CONTEÚDO


 

A história da Espiritualidade abrange um campo muito vasto, por isso o seu conteúdo tem fundamento “na dimensão da interioridade de carácter religioso do homem e desenvolve o estudo de pessoas (…), destituídos de posteridade espiritual ou iniciadores de movimento…, superando-os porque inclui também a experiência pessoal cristã narrada por ele mesmo ou relatado por outros, a doutrina que ele pode ensinar ou a que outros extrairiam da sua vida. Inclui também movimentos espirituais e as doutrinas que são fruto de ensinamento directo ou reflexo na linha da experiência ascética e mística” (S. De FIORES – T. GOFFI, Dicionário da Espiritualidade, p. 491).

 

METODOLOGIA


 

a)      Todos deveriam ter um texto de apoio, na impossibilidade, ao menos dois a dois.

b)      A exposição da matéria pelo professor, deixando depois os alunos fazerem perguntas de esclarecimento.

c)      Diálogo (perguntas-respostas)

d)     Leitura de algumas obras de vida espiritual e biografias de santos.

e)      Projecção de alguns filmes da vida dos santos e comentário em turma.

 

AVALIAÇÕES


 

Haverá duas avaliações, como princípio, um trabalho e uma prova escrita. Há também possibilidade de se fazer uma prova de recuperação. O exame será escrito.

 


BIBLIOGRAFIA


* MAROTO, Daniel de Pablo, Historia de la Espiritualidad Cristiana, Editorial de Espiritualidad, Madrid, 1990.

* LINGNEROLLES de Philippe e MEYNARD Jean-Pierre, Storia della Spiritualità Cristiana, 700 autori spirituali, Gribaudi, Milano, 2005.

* DUNMEIGE G. e GUERRA A., História da Espiritualidade, in Dicionário de Espiritualidade, dirigido por Stefano de Fiores e Tullo Goffi, S. Paulo: Paulus, 1993, pp. 490-510.

 

BOUYER Louis – DATTRINO Lorenzo, La Spiritualità dei Padri 3/A, Storia della Spiritualità, Grfiche Dehoniane, Bologna, 1998.

 

BOUYER Louis, La Spiritualità dei Padri 3/B, Storia della Spiritualità, Grfiche Dehoniane, Bologna, 1999.

 

ANCILLI Ermanno, Spiritualità Medioevale, Annotazioni storiche, Teresianum, Roma, 1983.

 

PACHO Eulogio, Storia della Spiritualità Moderna I-II-III, Teresianum, 1984.

 

CASTELLANO Cerevera Jesus, Storia della Spiritualità Contemporanea, Teresianum, Roma, s.d.

 

 

PROGRAMA


 

INTRODUÇÃO GERAL

 

A ESPIRITUALIDADE COMO DISCIPLINA CIENTÍFICA[1]

 

1. Noção do termo espiritualidade

2. Explicação de alguns conceitos relacionados a espiritualidade

3. Teologia Espiritual como disciplina científica

4. Teologia espiritual e outras teologias

5. Síntese histórica do surgimento da Teologia Espiritual

 

 

INTRODUÇÃO

 

I – A ESPIRITUALIDADE NAS SUAS ORIGENS (SÉCULO I)

 

1.      Vida espiritual no Novo Testamento

1.1.A nossa herança (O povo Judeu)

1.2.As correntes espirituais do mundo antigo

1.3.Jesus de Nazaré

1.4.A espiritualidade dos Evangelhos

a)      Sinópticos

b)      Evangelho de S. João

2. Espiritualidade paulina

3. Tradição Apostólica

II – IDADE PÓS-APOSTÓLICA (SÉCULOS II-IV)

 

1. As gerações pós-apostólicas

1.1. Espiritualidade do martírio

1.2. Espiritualidade da virgindade

2. Os padres Apostólicos (Igreja)

 

 

III – AS CORRENTES DA VIDA ESPIRITUAL (SÉCULOS IV-VII)

 

1. As correntes heréticas e suas influências na espiritualidade

1.1.  A gnosis

1.2.  Manequeísmo

1.3.  Encratismo

1.4.  Mesalianos

1.5.  Montanismo

1.6.  Consequências destas manifestações

2. A espiritualidade do monacato e do deserto

2.1. A espiritualidade do monacato

2.2. A espiritualidade do deserto

3. A praxis monástica

4. Alguns grandes autores espirituais da época

4.1. Santo Agostinho de Hipona

4.2. Dionísio, o Areopagita

4.3. São Gregório Magno

4.4. São Bento

 

 

IV – A ESPIRITUALIDADE DO TEMPO MEDIEVAL (SÉCULOS VIII-XIII)

 

A. SÉCULOS VIII-X

1. A espiritualidade popular

2. Movimentos laicais

 

B. SÉCULOS XI-XIII

1. O monacato renovado

2. A espiritualidade dos cónegos regulares e das ordens mendicantes

 

 

V – IDADE MODERNA (SÉCULOS XIV-XVIII)

 

1. A escola “Renano-Flamenga”, a “Devotio Moderna” e o Renascimento

2. A escola Espanhola de Espiritualidade

3. As correntes espirituais na França

4. A espiritualidade do movimento jansenista e quietismo

5. Espiritualidade Popular

5.1. A espiritualidade Popular do Barroco

5.2. Renascimento e Piedade Popular

 

 

VI – IDADE CONTEMPORÂNEA (SÉCULO XIX EM DIANTE)

 

1. Raízes da espiritualidade contemporânea

1.2. A liberdade e os direitos humanos

1.3. Movimentos modernos e o seu influxo na espiritualidade

a)      O americanismo

b)      O modernismo

c)      O problema místico

2. A espiritualidade em torno do Concílio Vaticano II

3. O caminho espiritual pós-conciliar e algumas novas tendências espirituais

 

 

 


INTRODUÇÃO

Tratar da História de Espiritualidade é algo complexo pois engloba um conhecimento científico do passado e da evolução da humanidade desde as suas origens até aos nossos dias, visto que o homem em si mesmo é religioso desde da sua existência e formação das mãos de Deus.

Falar da História da Espiritualidade é penetrar num complexo do esforço constante para a descrição e análise da realização consciente do espírito limitado do homem que manteve no decorrer dos séculos com o Transcendente.

Esta relação com o Transcendente se manteve de cultura a cultura onde o homem desenvolveu a sua vida. Assim podemos falar de formas diversas de espiritualidade, como por exemplo: espiritualidade hindu, budista, muçulmana, judaica e cristã.

 

A História da Espiritualidade Cristã que nós nos propomos estudar e pesquisar é uma explicação da relação experimental do homem com o Deus, uno e trino, que se revelou por meio de Jesus Cristo.

 

Na Bíblia, por exemplo, não encontramos uma teoria a respeito da espiritualidade, mas a sua vivência. Encontramos o convite a viver como homens espirituais (“pneumatikoi”: 1Cor 2,13; Gl 6,1; Rm 8,9), a viver na “santidade perfeita: o espírito, a alma e o corpo” (1Ts 5,23). Isto diz respeito ao estilo de vida do cristão, esta que devia ser como uma vida dominada pelo Espírito do Ressuscitado, como vida de membros da Igreja.

 

A espiritualidade é assim um conjunto das inspirações e convicções que animam interiormente os cristãos na sua relação com Deus, assim como também conjunto das reacções e das expressões pessoais ou colectivas, e das formas exteriores visíveis que concretizam tal relação.

 

Originalmente e substancialmente, não há mais que uma espiritualidade cristã, mas a mesma espiritualidade vivida de maneiras diferentes no tempo e no espaço determinado.

 

Antes de falarmos da História de Espiritualidade há necessidade de termos uma pequena noção de Teologia Espiritual, visto que o programa académico deste Seminário não contempla o estudo introdutório da Teologia Espiritual.

 

 

A ESPIRITUALIDADE COMO DISCIPLINA CIENTÍFICA

1.      Noção do termo espiritualidade

 

Antes de explicarmos o termo é necessário saber que a ciência da perfeição cristã ou, simplesmente espiritualidade, teve sua evolução, por exemplo, ao longo da história se encontramos termos como: vida interior, vida espiritual, Ascética e Mística.

 

Todos estes termos têm a sua razão de ser, porém devem ser entendidas no seu próprio contexto e lugar, embora no fundo possam significar a mesma coisa.

 

O adjectivo spiritalis (ou spiritualis) provém da tradução grega pneumatikós; o substantivo spiritualitas apareceu mais tarde no contexto diverso, como por exemplo no contexto canónico em que spiritualitas se opunha a temporalitas, os bens eclesiais aos bens civis, como também no contexto filosófico que contrapõe o ser, ou então a consciência espiritual ao corporalitas. Em todos esses contextos permanece o contexto religioso no qual o termo spiritalis indica a vida espiritual[2].

 

Se passamos a concepção moderna da “espiritualidade” vemos que nos documentos eclesiásticos, a terminologia não é constante.

 

No nosso estudo de teologia espiritual ou simplesmente espiritualidade para chegarmos a uma exacta definição temos que olhar para o desenvolvimento histórico da vida cristã. Por exemplo, era comum na França, nos anos Seiscentos, o termo “espiritualidade” indicar tudo aquilo que estava em relação aos exercícios de vida interior, em que se procurava a perfeição aos olhos de Deus.

 

Aos nossos dias “espiritualidade” significa também um certo estilo de vida cristã que está em relação aos correntes espirituais históricas (franciscana, inaciana, beneditina, …), ou um estilo específico de vida (espiritualidade sacerdotal, laical, religiosa, etc.).

 

2. Explicação de alguns conceitos relacionados a espiritualidade

 A espiritualidade abarca não só a definição acima, mas também outros conceitos, tais como: vida espiritual, vida interior, vida cristã, vida sobrenatural, perfeição, ascética e mística.

 

a)      Vida Espiritual

A expressão vida espiritual pode ser tomada em duplo sentido:

 

i.        Sentido amplo: - Como oposta a vida material, assim falamos da actividade espiritual do homem que pensa, raciocina e ama na ordem puramente natural (ateísmo).

 

ii.      Sentido restrito: - Como distinta da vida puramente natural. Neste sentido cada alma, em estado de graça santificante, possui vida sobrenatural.

 

b)     Vida sobrenatural

O dicionário diz: sobrenatural é que transcende a natureza física do homem; que concerne a Deus ou pertence ao mundo divino. Vida baseada nas virtudes teologais (fé, esperança e caridade) e nos conselhos evangélicos (pobreza, castidade e obediência).

 

Mas quando se fala de vida sobrenatural o autor António Royo Marin diz que a expressão vida sobrenatural serve para indicar a vida vivida em uma forma muito plena e intensa. Assim, fala-se de espiritualidade do homem espiritual.[3]

 

O sobrenatural pode ser de duas espécies:

i.        Aquele que é intrinsecamente sobrenatural, de modo que se excede não só a causalidade de todas as forças eficientes criadas, mas a mesma essência e as exigências naturais de cada ser criado (a graça, as virtudes infusas, os dons do Espírito Santo).

 

ii.      Aquele que mesmo sendo intrinsecamente natural é produzido de modo sobrenatural (os fenómenos da natureza: água do baptismo, óleo do crisma, pão da Eucaristia, vinho da Missa, etc).

 

c)      Vida Interior – O termo em si mesmo dá o seu significado. É a vida que parte do princípio da vivência do que é meditado à luz da Palavra de Deus.

 

d)     Vida Cristã – Participação na graça de Cristo-Cabeça, revestir-se de Cristo, agir em nome de Cristo, ter o senso de Cristo, até alcançar o estado de homem perfeito, a plena maturidade em Cristo.

 

e)      Perfeição Cristã – A vida sobrenatural de graça[4] quando alcançou um desenvolvimento excelente em relação ao grau inicial recebido no baptismo, mediante os seus princípios operativos.

 

f)       Ascese – Etimologicamente o termo ascesi significa exercício, treino, e se aplica seja ao exercício físico seja a uma reflexão filosófica. Mais tarde veio a significar também esforço mediante o qual se desejava a progressão na vida moral e religiosa. Este esforço, normalmente, requeria um método. Era normal que numa ascese espiritual impunha também uma disciplina corporal e exercícios de oração mental.

 

Partindo da necessidade do homem de um esforço para conseguir a perfeição, toda a espiritualidade fala de ascese e da vida ascética: cada pessoa espiritual deve praticar “exercícios espirituais”.

Toda vida cristã é necessário esforço humano para cooperar com a graça divida e dispor-se a receber um acréscimo na vida espiritual. Este esforço de purificação e de cooperação nunca é completo e portanto é necessariamente permanente.

 

Por outro lado, a ascese é a pratica da vida que tende a elevação espiritual através do domínio dos instintos, da abstenção dos prazeres, da meditação e do destaque do mundo.

 

Por ascética entende-se o esforço que a pessoa faz para dominar as próprias paixões, para adquirir a virtude. Esta actividade representa a 1ª fase da vida cristã que se chama via purgativa ou dos principiantes, porque estes se exercitam na prática das virtudes mais ainda humanamente, isto é, preponderância da actividade pessoal. O influxo do Espírito Santo é ainda pouco sentido. Em conclusão, a característica do período ascético é a actividade e o esforço.

 

A teologia ascética seria, neste caso, o estudo dos motivos e meios de purificação da alma que se liberta do pecado e se empenha na prática das virtudes.

 

g)      Mística

Do ponto de vista filosófico a palavra mystikós deriva da mystés: àquele que foi iniciado aos mistérios. Um significado comum da palavra mysterion seria a existência de uma realidade secreta, escondida ao conhecimento ordinário e que se revela através de uma iniciação quase sempre de tipo religioso. É este o sentido do mysterion também no N. T.  (Mt 13,11; Col 1,26-27; Ef 3,3-21; etc).

 

É necessário porém distinguir a palavra mistério que se refere aos complexos mitos e ritos que implicam uma iniciação e esoterismo, do místico que compreende várias formas de experiências espirituais (cfr. Gl 1,15-16)[5]. Portanto, a palavra mística indica algo escondido, secreto, misterioso. É usado, no sentido religioso, para falar dos contactos mais íntimos da alma com Deus.

 

Com mística estamos na via iluminativa ou dos proficientes, que depois, torna-se via unitiva ou dos perfeitos. A acção do Espírito Santo é mais frequente e manifesta. A pessoa age divinamente e sempre menos por esforço próprio. Característica específica deste estado é a passividade.

 

A teologia mística é aquela que ensina as vias de união a Deus (pelas purificações e) pela acção dos dons do Espírito Santo.

 

Perante todos estes conceitos, a espiritualidade seria a vida segundo o espírito, cujo fruto é a santificação” (cf. Rm 6,22; Gl 5,22).

 

3. Teologia Espiritual como disciplina científica

Antes de tratarmos da teologia espiritual como uma disciplina científica temos que entender primeiro a noção de ciência. O termo ciência aplicado a teologia parece ser inconcebível, dado que a ciência deve ter o seu objecto e método próprios. Porém temos que entender que entre ciências existem ciências exactas, ciências humanas e ciências teológicas, todos esses têm o seu objecto e o seu próprio campo de acção.

 

3.1. Noção de ciência

i.        As ciências exactas tem o objecto próprio, uma certeza comunicável e universal como por exemplo a matemática, a física, a química, etc. Estes partem de um método próprio dedutivo ou experimental.

 

ii.      As ciências humanas tem o objecto próprio o homem nas suas várias condições de vida como por exemplo a psicologia, a sociologia, a história, etc. Se servem de métodos próprios seja experimentais ou racionais.

 

iii.    As ciências teológicas esses consideram tudo em relação a Deus, princípio e fim. Esses se servem da Sagrada Escritura e da Tradição, onde tomam os seus princípios de estudo.

 

3.2. Descrição da Teologia Espiritual

A espiritualidade é teologia porque trata da vida sobrenatural (divina por participação). Porém é, sobretudo, uma disciplina teológica específica porque trata dessa vida olhando para o seu desenvolvimento real e existencial, no tempo e no espaço, e com extensão aos condicionamentos psico-físicos.

 

Específica porque trata não tanto da realidade do divino em si mesmo e na sua objectiva relação, mas, sobretudo, na sua força transformante no cristão que é chamado a responder a própria vocação divina em Cristo, por meio do Espírito.

 

É teologia espiritual porque insere também a ascética e a mística como parte de um todo, sugerindo assim a ideia da unidade da vida cristã e excluindo a sua divisão, mas unindo e ordenando uma à outra no único fim comum, a santificação do homem, isto é, a progressiva união com Deus no aumento contínuo da graça (aspecto positivo), e a progressiva eliminação dos obstáculos que impedem o crescimento (aspecto negativo).

 

A Teologia Espiritual é a ciência que ensina ao homem a destacar-se das coisas terrenas em vista a união com Deus.

 

A Teologia Espiritual “é uma disciplina teológica que, fundada sob os princípios da Revelação, estuda a experiência espiritual cristã, descreve o seu desenvolvimento progressivo e faz conhecer a sua estrutura e suas leis”.[6]

 

A Teol. Espiritual “é a disciplina teológica que estuda sistematicamente, a partir da Revelação e da experiência qualificada a assimilação crescente do mistério de Cristo na vida do cristão e da Igreja, no processo constante e gradual até a perfeição[7].

 

A Teologia espiritual “é disciplina teológica fundada nos princípios da revelação e na experiência dos santos, que estuda o organismo da vida espiritual e a consciência que dela temos, explica as leis do seu progresso e desenvolvimento, descreve, em fim, o progresso do desenvolvimento que encaminha a alma dos começos da vida cristã até a perfeição”.[8]

 

Explicação da última Noção

a)    A T. E. é disciplina teológica porque trata do Deus vivo, enquanto fonte, modelo e termo da vida espiritual, e trata do homem que participa dessa vida divina.

 

Sendo o homem o objecto material principal dessa disciplina, toda a contribuição das ciências humanas para um conhecimento melhor do homem pode servir a teologia espiritual em seu desígnio de fidelidade à realidade do homem.

 

A T. E. encara o homem em sua condição a um destino sobrenatural, com sua história pessoal e todavia incorporada na comunidade humana e eclesial.

 

b)      A T. E. é uma ciência fundada nos princípios da revelação e na experiência dos santos. Tais são as duas normas da T. E. Pela revelação, a T. E. sabe que Deus é Pai, que nos criou e nos ama como filhos seus, e que nos chama e convida a uma comunhão de vida com a Trindade. De outra parte, a experiência dos santos ilustra esta vida filial na multiplicidade e riqueza de suas actuações, como também em seu progresso e sua perfeição.

 

c)      A Teologia Espiritual estuda o organismo da vida espiritual. Faz parte da antropologia sobrenatural (antropologia teológica), cujo os elementos são a graça, as virtudes teologais e os dons do Espírito Santo.[9] 

A Teologia Espiritual estuda também a consciência que temos da vida espiritual, a vida de graça, é o fundamento ontológico da vida espiritual. A evolução da vida espiritual e o seu progresso dependem da livre colaboração do homem.

 

A Teologia Espiritual pode, portanto, descrever a actividade consciente do homem espiritual. A actividade espiritual se acompanha de um sentido da realidade e da consciência do mistério de Deus, da densidade dos bens da fé. Essa consciência é análoga, na vida espiritual, a que nós temos da presença do mundo sensível.

 

d)     A T. E. explica as leis do progresso e da evolução da vida espiritual. Com efeito, sendo a vida espiritual a de um ser em marcha, imerso na temporalidade, está sujeita ao crescimento e ao progresso até a plenitude do Corpo de Cristo.

 

A T. E. esforça-se por descobrir as leis desse progresso e dessa maturação espiritual do homem no caminho de sua união cada vez mais íntima com Deus.[10]

e)      A Teologia Espiritual descreve a totalidade do processo que conduz a alma, desde dos começos da vida cristã até ao cume da perfeição.

 

A vida espiritual, com efeito, não é simples sucessão de experiências[11], e sim aprofundamento contínuo, consciência cada vez mais viva da presença da Santíssima Trindade. Esse progresso contínuo é a própria nota característica de uma autêntica vida espiritual.

 

3.3. O método da Teologia Espiritual

Sobre a questão do método é variado segundo as várias tendências das várias espiritualidades (beneditina, carmelitana, dominicana, franciscana, inaciana), porém podemos salientar o método indutivo e dedutivo.

 

a)      M. Indutivo (da experiência à interiorização): se caracteriza como experimental ou fenomenológico-descritivo. Na impostação dedutiva se dá muita importância também a experiência das testemunhas de santidade e a observação, da confrontar com os princípios bíblicos-teológicos (inaciana e carmelitana).

 

b)       M. Dedutivo: é mais especulativo ou teológico-racional. Nega o vivido como fonte de princípios, defende que os constantes e as estruturas da vida espiritual devem ser tratados unicamente a partir dos princípios bíblicos-teológicos (dominicanos).

 

Na realidade, hoje em dia, não existe um método puro indutivo ou dedutivo, mas todos os dois métodos devem ser aplicados de maneira convergente. Assim escreve Otger Steggink: “não se pode falar mais de método dedutivo e indutivo, mas sim deve-se falar de interdisciplinaridade, isto é, um método interdisciplinar ou integral, que integra os diversos métodos (histórico, psicológico, linguístico, literário e cultural religioso) na reflexão teológica[12].

 

3.4. As fontes da Teologia Espiritual

Para as fontes da Teologia Espiritual, esses vêm distintas em duas categorias em relação as outras disciplinas teológicas: comuns (a toda a teologia) e específicas (próprias e determinantes no campo da T. E.). A estas duas categorias se deve acrescentar àquelas das ciências auxiliares (ou complementares).

 

a)      Fontes teológicas comuns: Revelação, Padres da Igreja, Magistério, Aprofundamento Teológico, Liturgia e Teologia Sacramental.

 

b)      Fontes próprias ou específicas: História da Espiritualidade, Escritos de Vida Espiritual qualificado (como os escritos dos místicos), Autobiografia dos Santos, Ageografia[13] e Escolas de Espiritualidade.

 

c)      Ciências auxiliares[14]: Psicologia em geral e Psicologia religiosa em particular, Sociologia, Antropologia Cultural e várias teologias.

3.5. O objecto específico da Teologia Espiritual

O objecto específico da T. E. é o desenvolvimento espiritual dinâmico e concreto da pessoa humana que caminha para a santidade; do baptismo até a maturidade em Cristo.

 

É teologia de vida espiritual e não simplesmente psicologia ou fenomenologia religiosa, nem das religiões, pois tem por objecto, não o fenómeno religioso, mas o desenvolvimento da personalidade cristã com os seus meios (sacramento e outros), que se adequam aos dotes e limites da natureza de cada um.

 

A Teologia Espiritual estuda a santidade, mas não como um estado ontológico e objectivo (“Ecclesia santa”; “Cristão santo”), mas sim como santificação (o processo de transformação do homem (cristão) pecador a homem (cristão) santo).

 

4. Teologia Espiritual e outras teologias

Afirmamos acima que a espiritualidade é teologia porque trata da vida sobrenatural, do Divino. Ma temos que ter em conta que não é única disciplina ou matéria que estuda o Ser Divino, como diz o próprio termo “Theo” = Deus; “Logia” = tratado, quer dizer, “ciência sobre Deus”.

 

 

Temos inúmeras ciências que se ocupam sobre o conceito de Deus, cada um sob o seu ponto de vista, como por exemplo: a teologia fundamental; a teologia dogmática; a teologia sistemática; a teologia pastoral; a teologia moral; a teologia espiritual. Todos esses afirmam algo sobre o divino e procedem da Revelação, agora temos que ver quais são as diferenças entre elas.

 

 

 
A Revelação constitui o fundamento e centro de todas teologias
 
Teologia
Fundamental
Teologia
Dogmática
Teologia
Sistemática
Teologia
Pastoral
Teologia
Moral
Teologia
Espiritual
Disciplina base cujo objecto é o facto e o mistério da Palavra feita carne.
Estuda a Revelação na sua totalidade.
O objecto e o centro é a intervenção extraordinária de Deus na história do homem. Torna cada vez mais claro o acontecimento da Revelação.
Detalha os mistérios da Revelação e os estuda um a um. Se esforça em aprofundar os grandes mistérios cristãos (Trindade, Encarnação, Graça). É a mais eclesiástica: defende os princípios da fé cristã e católica. Deus e o Seu Mistério de Salvação como conteúdos da fé. Estuda os tratados em particular: Cristologia, Eclesiologia, Mariologia, Pneumatologia, Sacramentos, Escatologia.
Ponto de vista organizacional. É especulativa e comparativa. Enquanto a Dogmática estuda o sacramento da Eucaristia em si, a Sistemática o estuda em relação aos outros.
Trata das condições sociológicas e da comunicação da mensagem cristã.
É mais missionária: propõe Cristo (Revelação) ao Mundo.
Estuda o agir cristão do homem novo em sua estrutura universal. Tem por objecto a vocação do homem em Cristo (Mt 25, 31-46). e preocupa-se com o ser humano no seu correcto relacionamento com Deus. Mais do que a Dogmática, mostra como a Palavra de Deus pode esclarecer os problemas concretos do homem.
É uma reflexão que diz respeito a moralidade, ou seja o bem e o mal dos actos humanos, mas tendo como princípio e fim o agir moral de Cristo.
Também se interessa pelo agir humano mas do ponto de vista do crescimento espiritual em busca da perfeição, da santificação. Fundamenta-se nos princípios da Revelação e na experiência dos santos. Concentra seus esforços em descobrir como progride e evolui a vida espiritual. Engloba 2 outras teologias: a Ascética e a Mística.
O cristão no seu crescimento com Deus e com o próximo (Jo 14,23)

N.B.: A Teologia Espiritual pressupõe necessariamente a Teologia Moral, porque o movimento para a perfeição implica a conformidade da vontade humana à vontade de Deus. Tratando-se de uma condição sine qua non, a Teologia Espiritual é subordinada a Teologia Moral. Esta última conduz o cristão até a sua plena concretização da vida cristã, portanto até a restauração com Deus, naquele diálogo em que as normas são examinadas pela Teologia Espiritual.

 

5. Síntese histórica do surgimento da Teologia Espiritual como disciplina Teológica

A Teologia Espiritual é uma especialização nova, nascida recentemente no seio da teologia e o seu itinerário pode ser resumida em três etapas: a exigência remota por teologia espiritual; o nascimento da cátedra e o seu ensino e a espiritualidade depois do Concílio Vaticano II.

 

5.1. A exigência remota por teologia espiritual

O Manual e a Cátedra da Teologia Espiritual aparecem no início do século XIX e, mais precisamente, entre os anos 1917 e 1930, como exigência de uma recuperação “espiritual” da Teologia.

 

Nos primeiros séculos da Igreja (praticamente em todo o 1º milénio), a Teologia é de tipo “contemplativo-paranóico” e, portanto, “espiritual”. Se trata da teologia dos Padres e da teologia monástica que atinge até a Teologia “Escolástica” (séculos XII-XIII).

 

A reflexão sob o Mistério e exortação para vida (como nas cartas paulinas) era comum em todas as obras dos Padres, enquanto, sobretudo com o início do estudo “universitário” da Teologia, da “contemplação”, se passa a especulação e a “inquisitio” (procura).

 

Os Padres afrontavam a explicação do Mistério Cristão com categorias que se perderam na escolástica. Se perdeu, sobretudo, o conceito e a importância da salvação como história.

 

Para Ireneo, Origene, Gregorio de Nissa e outros, por exemplo, o cristianismo antes que uma doutrina (um Credo) é uma História. A História da “economia” de um Deus que tomando a humanidade como é, a eleva, atraindo-a na sua pedagogia de misericórdia e, sobretudo, por meio do Espírito que leva a todos a reconhecê-Lo Pai no Filho doado. A Teologia, portanto, surge como uma reflexão sobre um ACONTECIMENTO.

 

Os Padres vêm esta salvação como um facto colectivo que diz respeito a humanidade como uma realidade compacta. Objectivamente, salvação na cruz de Cristo e, subjectivamente, um processo de salvação no Espírito.

 

A Teologia, mais que se ocupar sobre a verdade especulando-a, se ocupa deste processo de salvação que, em termos bíblicos, se chama aliança e aliança esponsal (Cântico e Oseias). Os Padres comentando e exortando contemplam o Mistério.

 

Os Mónacos cristãos, de facto, esta “inquisitio” puramente especulativa da verdade julgam-na como uma simples “curiositas” ou uma “vana exquisitio”, mas a teologia sistemática dada aos estudos no campo “universitário”, levou a Teologia, quase inevitavelmente, sob o campo da verdade objectiva e, portanto, a “objectivação da mesma Revelação” (data e princípios a demonstrar), na categoria de “fides quae intellectum” (a verdade objectiva a crer e a aprofundar).

 

 

Assim surgiram várias cátedras teológicas, como: o tratado do Deo Uno et Trino, que se ocupava da sua unicidade e natureza; o tratado da Incarnação, que se ocupava da perfeita natureza humana e perfeita natureza divina  do Verbo (hypostasis); a questão dos Sacramentos, etc.

 

Nota-se que a teologia passou a ser mais especulativa e dogmática perdendo assim o elo com a vida e o crescimento espiritual, permanecendo apenas a pastoral e actos de piedade que levava a uma literatura espiritual sem uma verdadeira consistência teológica.

 

Foi sobretudo no século XIX que começou uma exigência da recuperação da experiência cristã no âmbito estritamente teológico como um estudo da obra salvífica no acto cristão.

 

5.2. O nascimento da cátedra e o seu ensino

O novo braço de Teologia nasce deste interesse e desta exigência para uma espiritualização da Teologia. Esse, na linha com a Sagrada Escritura, teve que incluir necessariamente a reflexão sobre a vida cristã ou de santificação.

 

Nasce assim o terceiro grande “capítulo” da Teologia. Ao lado da Teologia Dogmática e da Teologia Moral, vem lentamente a colocar-se a Teologia Espiritual ou Teologia da Vida Espiritual, ou ainda, Espiritualidade.

 

As causas próximas do surgimento da Teologia da Espiritual são principalmente duas: um certo movimento místico e a vontade específica da Igreja

 

a)      Um certo movimento místico

Sobretudo por volta do século XIX se percebe que a mística (mystês do mystêrion) não se refere apenas aos fenómenos extraordinários, mas a vida interior de cada cristão chamado, no Espírito, a experiência de Deus. Não são duas vias, ascética e mística, mas mística é a única meta para todos.

 

Jesus de facto disse: “Se alguém me ama, guardará minha palavra e o meu Pai o amará, e a ele viremos e nele estabeleceremos morada” (Jo 14,23). Portanto, este “vir” (que diz respeito a todos) deve ser objecto de estudo, junto aos sugerimentos sobre como acolhê-lo e rende-lo vital…

 

Teresa de Lisieux (1873-1897), por exemplo, com a sua “via da infância espiritual”, nos dá prova concreta da vida espiritual. A sua vida “ordinária” mostra, de facto, que a experiência mística mais profunda, a experiência do mystêrion de Deus, é para todos os cristãos, próprio a partir da sua vida concreta e limitada.

 

É de notar que, esta vocação à santidade de que Teresinha fala no seu livro foi prelúdio para a afirmação do Concílio Vaticano II da «vocação universal a santidade» (cfr. Lumen Gentium, cap. V).

 

O conceito fundamental do nascimento da Teologia Espiritual brota com uma nova consciência cristã, pois se sente que não há uma vida cristã verdadeira se não há uma verdadeira assimilação do mistério de Cristo (vida cristã = vida mística), como afirma o teólogo Kharl Rahner: “o cristão ou é místico ou não é cristão”.

 

b)      A vontade específica da Igreja

Neste clima espiritual de fim-início (XIX-XX), se insere a solicitação da parte da hierarquia eclesiástica. Esta se manifesta e pode ser resumida em dois períodos: 1903-1939 e 1939-1978. Podemos também incluir aquele que segue o Concílio Vaticano II, com as suas aplicações.

 

i.                    1903-1939: Pio X-Pio XI – Em 1910 Pio X, exprime o desejo que na formação sacerdotal dos clérigos venha inclusa também a “ciência ascética e mística[15]. Em 1919, Bento XV, por seu lado, louva a erecção da Cátedra de “Teologia Ascética-Mística” na Pontifícia Universidade Gregoriana[16] e, em 1920, a Sagrada Congregação para os Seminários, escreve aos bispos alemães que “o estudo da Teologia Moral deve ser acompanhada e aperfeiçoada por meio do estudo da Teologia Ascético-Místico[17].

 

O ano decisivo é, todavia, 1931. Com o mandato de Deus scientiarum Dominus, a Ascética entra como disciplinas “auxiliar” e, a Mística como “complementar[18], todas obrigatórias para o ensino.

 

Assim nasce a Teologia Espiritual como disciplina distinta da Teologia Moral e Dogmática. Pio XI, fazendo eco da Teologia da Santidade, declara S. João da Cruz, teólogo místico, Doutor da Igreja (24-08-1926).

 

ii.                  1939-1978: Pio XII-Paulo VI – O facto, talvez mais saliente neste período, é o nascimento do Instituto de Espiritualidade do Teresianum que, aberto apenas para os Carmelitas em 1957, sob o pedido da Sagrada Congregação dos Religiosos, e em 1959 abre as portas para todos.

 

Nas bodas de prata da faculdade (1961), João XXIII sublinha que a doutrina espiritual da Santa Teresa e de S. João da Cruz é património de toda a Igreja. No dia 8 de Setembro de 1964 torna-se oficialmente “académico” com cursos de estudos que leva ao doutoramento em Teologia Espiritual.

 

Um outro facto importante é no dia 27 de Setembro de 1970 Poulo VI declara S. Teresa de Ávila (115-1582), primeira mulher na história da Igreja, Doutora da Igreja. E em 1997, Teresa de Lisieux também é declarada Doutora da Igreja por João Paulo II.

 

iii.                Depois do Concílio Vaticano II – O Decreto sobre a formação sacerdotal (Optatam Totius) de 28 de Outubro de 1965 não menciona a Teologia Espiritual como uma disciplina autónoma em si, bem como outras disciplinas, porém deixa espaço as Conferências episcopais o dever de descer a prática.

 

A CEI (Conferência Episcopal Italiana) na “Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis” (Roma 1970) decreta a Teologia Espiritual como matéria de estudo, deixando assim de ser como um simples “complemento” da Teologia Moral.

 

No nº 79 da “Ratio” diz o seguinte: “a Teologia deve compreender, entre outros, o estudo da teologia e da espiritualidade sacerdotal, bem como da vida consagrada com os conselhos evangélicos, a fim que saibam dirigir os fiéis na via da perfeição própria do seu estado”.

 

A Constituição Apostólica de João Paulo II acerca das Universidades e Faculdades Eclesiásticas, “Sapientia Christiana”, de 15 de Abril de 1979, refere, todavia, a Teologia Espiritual entre as disciplinas teológicas obrigatórias.

 

A presença da matéria da Teologia Espiritual em todos os programas dos Seminários e das Faculdades Teológicas indica a autonomia da nova disciplina. A dificuldade pode-se colocar, se calhar, na distinção do seu campo em relação a Teologia Dogmática e, sobretudo, da Teologia Moral, porém o místico faz apelo directamente a própria experiência de Deus.



[1] Apêndice – Matéria que deveria fazer parte da Introdução a Teologia Espiritual
[2] Já no séc. V encontramos a expressão: ““Age, ut in spirituatate profecias” (esforça-te de progredir na espiritualidade ou seja na vida espiritual). Cfr. BERNARD Charles André, Teologia spirituale, edizioni San Paolo s.r.l., Cinisello Balsamo (Milano), 2002³, p. 27
[3] Cfr. Brochura Pe. José Geraldo da Silva, p. 1.
[4] Os dons do Espírito Santo: Sapiência, Entendimento; Conselho; Fortaleza; Ciência; Piedade e Temor de Deus. Os frutos do Espírito Santo: Caridade; Gozo; Paz; Paciência; Benignidade; Bondade; Longanimidade; Mansidão; Fé; Modéstia; Continência e Castidade Perpétua.
[5] Por exemplo, no âmbito da fé cristã existe sempre uma realidade secreta e escondida: Deus mesmo, transcende cada coisa; os vários Mistérios da Salvação que conhecemos mediante a fé. Para os Padres da Igreja, estes mistérios indicam em particular os vários sacramentos: de trás de símbolos sensíveis está presente uma realidade divina.
[6] BERNARD Charles André, Teologia spirituale, o. c., p. 73
[7] RUIZ Salvador Federico, Le vie dello Spirito, p.25.
[8] A Royo Marin, Teologia della perfezione cristiana, ed. Paoline, Roma, 1959, p. 23. in brochura Pe. José Geraldo da Silva, p. 8.
[9] Neste caso ela está subordinada a teologia dogmática.
[10] O termo lei deve ser tomada aqui no sentido psicológico do comportamento habitual, com aquela margem de excepção que é preciso conceder quando se trata de seres livres.
[11] A noção de experiência implica em primeiro lugar um contacto objectivo com uma realidade percebida pois, no sujeito que fez a experiência, constitui-se um saber baseado no tal contacto com a realidade. A exp. religiosa defere da exp. dos valores morais ou éticos, pois estes últimos, mesmo implicando o senso da transcendência dos valores em relação a consciência individual, não atingem o ser como tal mas apenas as suas manifestações concretas percebidas como bom e belo. A exp. religiosa não percebe apenas um valor (o sacro ou o absoluto), mas sim apresenta um contacto com o ser divino. Contudo deve distinguir: dum lado o conteúdo e as representações religiosas e do outro lado o senso da presença do Ser. A exp. cristã é baseada no Verbo Encarnado.
[12] MORICONI Bruno, Nascere dall’Alto, Teologia de Vita Spirituale, Appunti ad uso degli Studenti, Piazza San Pancrazio, Roma, 2002/03, p. 30.
[13] Investigação e descrição dos fenómenos geográficos.
[14] Mais que fontes, se trata de meios complementares que dizem respeito sobretudo do conhecimento da pessoa humana.
[15] Cfr. AAS 2 (1910) 668.
[16] Cfr. AAS 12 (1920) 29.
[17] “Enchir. Cler.” n. 1135, p. 591.
[18] Cfr. AAS 23 (1931) 271 e 281.