terça-feira, 23 de abril de 2013


A LITURGIA DO CONCÍLIO VATICANO II

Significado Teológico, Litúrgico e Pastoral
 
A história da Liturgia é, pois muito complexa. Não pode ser estudada sem ter em conta todos os elementos que para ela contribuíram. Especialmente o conhecimento dos ritos orientais é indispensável para se fazer uma ideia de conjunto e para discernir o que é essencial e o que é secundário. Se as diversas liturgias diferem na forma uma das outras, todas testemunham, contudo, as mesmas verdades essenciais e os mesmos mistérios de salvação. Esta variedade demonstra a riqueza do cristianismo, jamais esgotada pela diversidade de expressão encontrada ao longo da história. Mas, vamos ao que nos interessa.

Do Concílio De Trento Ao Concílio Vaticano II

Do ponto de vista da evolução da liturgia latina, os quatro séculos que decorreram entre o concílio de Trento e o Vaticano II podem dividir-se em três períodos: no começo e no fim, um meio século de intenso reflorescimento (1562-1614 e 1903-1962) que separaram três séculos de estabilidade, durante os quais os problemas litúrgicos passam a plano secundário na vida da Igreja.[1] Com a promulgação da constituição De Sacra Liturgia pelos padres do Concílio Vaticano II (4 de Dezembro de 1963) abriu-se uma nova era na história da liturgia.

LITURGIA DO CONCÍLIO VATICANO II

A Constituição do Concílio Vaticano II sobre a liturgia situou-se na mesma linha do documento de Pio XII, ultrapassando-o amplamente em muitos pontos, sobretudo na íntima vinculação estabelecida entre o culto divino e a santificação dos homens e na importância concedida aos ritos litúrgicos como sinais eficazes: «Com razão se considera a liturgia como o exercício do sacerdócio de Jesus Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação do homem; e assim, o corpo místico de Jesus Cristo, isto é, a cabeça e os membros, presta a Deus o culto público integral» (SC 7).

Sentido Teológico.

Diferentemente dos Padres de Trento, os do Concílio Vaticano II expuseram explicitamente uma Teologia da Liturgia. A Constituição apresenta o Mistério Pascal de Cristo, ao «qual foram prelúdio as grandes obras divinas no povo do Velho Testamento»,[2] como a fonte e o centro do culto prestado a Deus pelo Corpo Místico de Jesus Cristo. Nascida da morte e da ressurreição do Senhor, a Igreja tem por missão anunciar aos homens que eles foram salvos no sangue de Cristo, enxertá-los pelo baptismo no mistério pascal de Cristo e renovar a refeição sacrifical do Senhor «até que ele venha», antecipando na assembleia litúrgica da terra o ajuntamento dos homens na nova Jerusalém. (SC 5-6). 

Sentido Litúrgico

Os padres do Trento tinham em vista só a correcção do Missal e do Breviário em uso na Igreja romana desde os séculos XII-XIII; por isso é que nós temos substancialmente no Missal e no Breviário de S. Pio V, o Missal de Inocêncio III e o Breviário Franciscano de 1223. Se a Constituição do Concílio Vaticano II exige «que se mantenha a sã tradição» (SC 23) na restauração da liturgia, quer também «que seja aberto o caminho ao progresso legítimo» (ibid.), a fim de «adaptar os ritos à capacidade dos fiéis» (SC 34), «à diversidade das assembleias, das regiões, dos povos» (SC 38) e de «apresentar aos fieis mais rica a mesa da palavra de Deus» (SC 51). A reforma concerne não somente o Missal e o Breviário, mas todos os livros litúrgicos (SC 25), o canto sagrado, o arranjo dos lugares do culto (SC 112) e, sobretudo, o modo de participação dos fiéis na liturgia, «a participação plena e activa de todo o povo na celebração» a constituir o objectivo essencial da restauração litúrgica (SC 14).
Sentido Pastoral

O concílio Vaticano II afirmou-se como o concílio da colegialidade episcopal (do papa e dos bispos) na sua legislação litúrgica, antes mesmo de ser promulgada a Constituição dogmática da Igreja. Desta maneira confere poderes importantes em matéria de liturgia «às diferentes assembleias de bispos legitimamente constituídas, competentes num dado território» (SC 22), especialmente no respeitante às adaptações necessárias, «sobretudo para a administração dos sacramentos, sacramentais, procissões, língua litúrgica, música sagrada e artes» (SC 39).

SINOPSE

Eis a definição de Liturgia que tem em conta todos os contributos do Corpo Místico: «O conjunto de acções rituais e simbólicas, através das quais a obra sacerdotal de Cristo, de louvor a Deus e de Santificação dos homens, realizada de uma vez para sempre no Seu mistério pascal, continua na Igreja até a consumação escatológica».[3] Esta visão tem uma série de vantagens teológicas e pastorais, pois com ela se supera a noção meramente racional de culto religioso, ao sublinhar que, na liturgia cristã, não só se tributa culto a Deus, mas também se realiza a santificação dos homens, e se ultrapassa também a ideia da liturgia como culto social, ao insistir em que o aspecto principal do culto litúrgico não é social, mas “pessoal” de Cristo. Neste sentido, pode-se dizer que a liturgia é menos acção da Igreja para Deus e mais acção de Cristo para a Igreja, e pode-se afirmar igualmente que a Igreja se constitui pela liturgia, sendo esta a explicação da sua natureza essencialmente cultual e santificadora.

Evidentemente, a concepção que apresentamos da liturgia afasta-se muito da visão meramente “estética”, já que, se os ritos externos e sensíveis têm grande importância na liturgia, não a têm como elementos decorativos e só  de alcance pedagógico, mas como consequência na natureza sacramental da Igreja, enquanto prolongamento vivo da própria obra de Cristo, que se realizou visivelmente através de uma humanidade concreta, sacramento do Pai. e afasta-se também da visão “jurídica”, dado que um acto não é litúrgico por ser imperado pela hierarquia, mas porque contém a presença do culto e da santificação operada por Cristo.
A intervenção da hierarquia é necessária para poder discernir, entre as diversas actividades da Igreja, até as de tipo religioso cultual, aquelas que, certamente, contêm a presença privilegiada de Cristo; porém, tal intervenção não é a causa última do carácter litúrgico das referidas acções, mas unicamente a condição do seu discernimento. Noutra perspectiva, podemos afirmar que os actos litúrgicos devem submeter-se a determinadas leis que não são tanto disposições normativas de tipo meramente jurídico, quanto exigências iniludíveis, derivadas da própria maneira de ser do culto litúrgico eclesia
Quanto ao lugar que a liturgia ocupa no conjunto da acção pastoral da Igreja, o Concílio Vaticano II traçou uma linhas suficientemente orientadoras, ao afirmar, por um lado, que a «sagrada liturgia não esgota toda a actividade da Igreja» (SC 9), e, por outro, que «a liturgia é o cume a que tende toda a actividade da Igreja, e, ao mesmo tempo, fonte donde dimana toda a sua força.
Ora, os trabalhos apostólicos ordenam-se a que, uma vez feitos filhos de Deus pela fé e pelo baptismo, todos se reúnam, louvem a Deus na Igreja, participem no sacrifício e comam a ceia do Senhor». Sem esquecer, em nenhum momento, a primazia absoluta da caridade: «a própria liturgia impele os fiéis a que, “saciados com os sacramentos pascais”, sejam “concordes na piedade”; roga a Deus que “conservem na sua vida o que receberam na fé”, e a renovação da aliança do Senhor com os homens na eucaristia acende e arrasta os fiéis  para uma urgente caridade de Cristo». (SC 10).

 

 

BIBLIOGRAFIA

DICIONÁRIO DE PASTORAL Nº 4, Ed. Perpétuo Socorro, Porto, 1990.

MARTIMORT A. G.,  A Igreja e Oração – Introdução à Liturgia, Ed. Ora et Labora, Portugal, 1965.

CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II – Documentos Conciliares e Pontifícios, Ed. A.O, Braga, 1987.

 

 

 

 

 

 

 



[1] P. JOUNEL In  A Igreja e Oração – Introdução à Liturgia, Ed. Ora et Labora, Portugal, 1965, pag. 50
[2] A. G. MARTIMORT, A Igreja e Oração – Introdução à Liturgia, Ed. Ora et Labora, Portugal, 1965, Pag 60.
[3] J. LOPIS, In Dicionário de Pastoral nº 4, (sub. Art. Liturgia), Ed. Perpétuo Socorro, Porto, 1990, pag. 314.

Sem comentários:

Enviar um comentário