A
LITURGIA DO CONCÍLIO VATICANO II
Significado Teológico, Litúrgico e Pastoral
A história da Liturgia é, pois muito complexa. Não pode ser estudada sem
ter em conta todos os elementos que para ela contribuíram. Especialmente o
conhecimento dos ritos orientais é indispensável para se fazer uma ideia de
conjunto e para discernir o que é essencial e o que é secundário. Se as
diversas liturgias diferem na forma uma das outras, todas testemunham, contudo,
as mesmas verdades essenciais e os mesmos mistérios de salvação. Esta variedade
demonstra a riqueza do cristianismo, jamais esgotada pela diversidade de
expressão encontrada ao longo da história. Mas, vamos ao que nos interessa.
Do Concílio De Trento
Ao Concílio Vaticano II
Do ponto de vista da evolução da liturgia latina, os quatro séculos que
decorreram entre o concílio de Trento e o Vaticano II podem dividir-se em três períodos:
no começo e no fim, um meio século de intenso reflorescimento (1562-1614 e
1903-1962) que separaram três séculos de estabilidade, durante os quais os
problemas litúrgicos passam a plano secundário na vida da Igreja.[1]
Com a promulgação da constituição De
Sacra Liturgia pelos padres do Concílio Vaticano II (4 de Dezembro de 1963)
abriu-se uma nova era na história da liturgia.
LITURGIA DO CONCÍLIO VATICANO II
A Constituição do Concílio Vaticano II sobre a liturgia situou-se na
mesma linha do documento de Pio XII, ultrapassando-o amplamente em muitos
pontos, sobretudo na íntima vinculação estabelecida entre o culto divino e a
santificação dos homens e na importância concedida aos ritos litúrgicos como
sinais eficazes: «Com razão se considera a liturgia como o exercício do sacerdócio
de Jesus Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira,
realizam a santificação do homem; e assim, o corpo místico de Jesus Cristo,
isto é, a cabeça e os membros, presta a Deus o culto público integral» (SC 7).
Sentido Teológico.
Diferentemente dos Padres de Trento, os do Concílio Vaticano II expuseram
explicitamente uma Teologia da Liturgia. A Constituição apresenta o Mistério
Pascal de Cristo, ao «qual foram prelúdio as grandes obras divinas no povo do
Velho Testamento»,[2] como a fonte e o centro do
culto prestado a Deus pelo Corpo Místico de Jesus Cristo. Nascida da morte e da
ressurreição do Senhor, a Igreja tem por missão anunciar aos homens que eles
foram salvos no sangue de Cristo, enxertá-los pelo baptismo no mistério pascal
de Cristo e renovar a refeição sacrifical do Senhor «até que ele venha»,
antecipando na assembleia litúrgica da terra o ajuntamento dos homens na nova Jerusalém.
(SC 5-6).
Sentido Litúrgico
Os padres do Trento tinham em vista só a correcção do Missal e do
Breviário em uso na Igreja romana desde os séculos XII-XIII; por isso é que nós
temos substancialmente no Missal e no Breviário de S. Pio V, o Missal de
Inocêncio III e o Breviário Franciscano de 1223. Se a Constituição do Concílio
Vaticano II exige «que se mantenha a sã tradição» (SC 23) na restauração da
liturgia, quer também «que seja aberto o caminho ao progresso legítimo»
(ibid.), a fim de «adaptar os ritos à capacidade dos fiéis» (SC 34), «à
diversidade das assembleias, das regiões, dos povos» (SC 38) e de «apresentar
aos fieis mais rica a mesa da palavra de Deus» (SC 51). A reforma concerne não
somente o Missal e o Breviário, mas todos os livros litúrgicos (SC 25), o canto
sagrado, o arranjo dos lugares do culto (SC 112) e, sobretudo, o modo de
participação dos fiéis na liturgia, «a participação plena e activa de todo o
povo na celebração» a constituir o objectivo essencial da restauração litúrgica
(SC 14).
Sentido Pastoral
O concílio Vaticano II afirmou-se como o concílio da colegialidade
episcopal (do papa e dos bispos) na sua legislação litúrgica, antes mesmo de
ser promulgada a Constituição dogmática da Igreja. Desta maneira confere
poderes importantes em matéria de liturgia «às diferentes assembleias de bispos
legitimamente constituídas, competentes num dado território» (SC 22),
especialmente no respeitante às adaptações necessárias, «sobretudo para a
administração dos sacramentos, sacramentais, procissões, língua litúrgica, música
sagrada e artes» (SC 39).
SINOPSE
Eis a definição de Liturgia que tem em conta todos os contributos do
Corpo Místico: «O conjunto de acções rituais e simbólicas, através das quais a
obra sacerdotal de Cristo, de louvor a Deus e de Santificação dos homens,
realizada de uma vez para sempre no Seu mistério pascal, continua na Igreja até
a consumação escatológica».[3]
Esta visão tem uma série de vantagens teológicas e pastorais, pois com ela se
supera a noção meramente racional de culto religioso, ao sublinhar que, na
liturgia cristã, não só se tributa culto a Deus, mas também se realiza a
santificação dos homens, e se ultrapassa também a ideia da liturgia como culto
social, ao insistir em que o aspecto principal do culto litúrgico não é social,
mas “pessoal” de Cristo. Neste sentido, pode-se dizer que a liturgia é menos acção
da Igreja para Deus e mais acção de Cristo para a Igreja, e pode-se afirmar
igualmente que a Igreja se constitui pela liturgia, sendo esta a explicação da
sua natureza essencialmente cultual e santificadora.
Evidentemente, a concepção que apresentamos da liturgia afasta-se muito
da visão meramente “estética”, já que, se os ritos externos e sensíveis têm grande
importância na liturgia, não a têm como elementos decorativos e só de alcance pedagógico, mas como consequência
na natureza sacramental da Igreja, enquanto prolongamento vivo da própria obra
de Cristo, que se realizou visivelmente através de uma humanidade concreta,
sacramento do Pai. e afasta-se também da visão “jurídica”, dado que um acto não
é litúrgico por ser imperado pela hierarquia, mas porque contém a presença do
culto e da santificação operada por Cristo.
A intervenção da hierarquia é necessária para poder discernir, entre as
diversas actividades da Igreja, até as de tipo religioso cultual, aquelas que,
certamente, contêm a presença privilegiada de Cristo; porém, tal intervenção
não é a causa última do carácter litúrgico das referidas acções, mas unicamente
a condição do seu discernimento. Noutra perspectiva, podemos afirmar que os
actos litúrgicos devem submeter-se a determinadas leis que não são tanto
disposições normativas de tipo meramente jurídico, quanto exigências
iniludíveis, derivadas da própria maneira de ser do culto litúrgico eclesia
Quanto ao lugar que a liturgia ocupa no conjunto da acção pastoral da
Igreja, o Concílio Vaticano II traçou uma linhas suficientemente orientadoras,
ao afirmar, por um lado, que a «sagrada liturgia não esgota toda a actividade
da Igreja» (SC 9), e, por outro, que «a liturgia é o cume a que tende toda a actividade
da Igreja, e, ao mesmo tempo, fonte donde dimana toda a sua força.
Ora, os trabalhos apostólicos ordenam-se a que, uma vez feitos filhos de Deus
pela fé e pelo baptismo, todos se reúnam, louvem a Deus na Igreja, participem
no sacrifício e comam a ceia do Senhor». Sem esquecer, em nenhum momento, a
primazia absoluta da caridade: «a própria liturgia impele os fiéis a que,
“saciados com os sacramentos pascais”, sejam “concordes na piedade”; roga a
Deus que “conservem na sua vida o que receberam na fé”, e a renovação da
aliança do Senhor com os homens na eucaristia acende e arrasta os fiéis para uma urgente caridade de Cristo». (SC
10).
BIBLIOGRAFIA
DICIONÁRIO DE
PASTORAL Nº 4, Ed. Perpétuo Socorro, Porto, 1990.
MARTIMORT A.
G., A Igreja e Oração – Introdução à
Liturgia, Ed. Ora et Labora, Portugal, 1965.
CONCÍLIO
ECUMÉNICO VATICANO II – Documentos Conciliares e Pontifícios, Ed. A.O,
Braga, 1987.
[1] P. JOUNEL In A
Igreja e Oração – Introdução à Liturgia, Ed. Ora et Labora, Portugal, 1965,
pag. 50
[2] A. G. MARTIMORT, A Igreja e Oração – Introdução à Liturgia,
Ed. Ora et Labora, Portugal, 1965, Pag 60.
[3] J. LOPIS, In Dicionário de Pastoral nº 4, (sub.
Art. Liturgia), Ed. Perpétuo Socorro,
Porto, 1990, pag. 314.
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